Tema 030 - EMBRIAGUEZ
BIOGRAFIA
A RESSACA
Tarciso Oliveira
A cama era a melhor companhia naquele dia. Definitivamente aquele era o dia da cama. Já durante a madrugada, Marcos se levantara com vontade de urinar e, foi um terror. Quando voltava para a cama lembrou-se de alguns momentos da noite anterior. As lembranças lhe apareciam como spots, não eram muito nítidas, mas dava para imaginar as partes faltantes. Era como um sonho ruim, mas ele sabia que não era sonho. E agora? – pensava ele. Não poderia mais viver, assim, normalmente, depois de tudo o que aconteceu. De forma alguma poderia aceitar algo tão hediondo. Era melhor morrer! Isso mesmo! Era muito melhor morrer – pensava enquanto se deitava. E para piorar, aquele gosto amargo na boca, talvez tenha até comido todos os conteúdos dos cinzeiros da casa enquanto bebia, pensando ser petiscos.

E o dia amanhecera, e era domingo. Um dia lindo, ensolarado e azul. Azul para todos, menos para ele, Marcos. Ele estava muito infeliz. Infeliz consigo próprio, sabia que a culpa era unicamente sua. Perguntava-se sobre o porquê de tudo e não encontrava resposta. Ninguém mais no mundo poderia assumir aquela culpa tão pesada, só ele. Que vergonha! – pensava, enquanto fingia ainda estar dormindo. Chorou em silêncio, uma, duas, três vezes. E não havia lágrima suficiente para desfazer o que havia feito. Que merda! – dizia em baixa voz. Seus pensamentos já eram quase palavras, o sofrimento era imenso. Que merda! – repetia, sussurrando. Por que ele tinha que beber tanto, justo naquele dia?

A noite anterior, sábado, estava muito animada. Foi a festa de aniversário da sua mãe. Muita bebida, muita comida, muitos amigos e, de repente, um imprevisto que põe tudo a perder. E, diga-se de  passagem, provocado por ele. Marcos já chegara "esperto" à festa de sua mãe. Passara a tarde bebendo com os amigos da pelada. Assim que ele chegou seus irmãos perceberam que, da forma como estava, poderia estragar a festa. O histórico de Marcos em relação à bebida não era muito animador. Toda família já passara diversos momentos infelizes por sua causa. O pior de tudo era que Marcos nunca lembrava de tudo que aprontava. Ele dizia sofrer de amnésia alcoólica, lembrava apenas de partes do todo e, nunca, de uma seqüência completa. Mas, nunca considerou isso um problema grave.

Os seus familiares estavam achando muito estranho não ver Marcos, de pé, naquela hora da manhã. Ele sempre acordara cedo aos domingos, mesmo quando tomava as suas bebedeiras. Os irmãos de Marcos um, após outro, entravam no quarto, mas Marcos são se mexia. Continuava fingindo que dormia. Não encontrava uma saída para a vergonha que estava sentido. Procurava juntar os pedaços das lembranças do dia anterior e concluía com a mesma certeza: foi uma vergonha o que aprontara dessa vez. Lembrava-se que discutira com o vizinho ao lado e, também, sabia que em algum momento tirara toda a roupa. E se torturava. Não tinha a certeza absoluta, mas, sentia que naquele fatídico momento a sua mãe estava presente. Que vergonha – sussurrava. Não poderia sair da cama. Era muita humilhação. Todas aquelas pessoas na festa, e ele pelado, fazendo o maior vexame de todos os tempos – pensava e sofria.

O movimento na casa começou a diminuir. Uns foram para a praia, outros assistiam televisão. Marcos calculava a melhor hora para dar uma escapada para o banheiro. Em dado momento, havia um silêncio profundo pairando sobre a casa, apenas o som da televisão ao longe era ouvido. Marcos decide que é a hora. Levanta-se da cama e corre para o banheiro. Abre o pequeno armário em baixo da pia e revira tudo que está por lá. Enfim, encontra o que procura: uma caixinha branca. Dentro, um frasco com um pó. Ele liga o chuveiro e entorna todo aquele pó na boca. Engole alguns goles da água que sai do chuveiro e senta-se ali, ao lado do chuveiro, vendo a água escorrer. Em poucos minutos começa a se debater. Sente dores cada vez mais fortes. Quer sair dali, não consegue levantar-se. Quer gritar, a voz não sai. O ruído da água do chuveiro encobre toda a sua tentativa de fazer com que alguém o escute. Agora era só a água do chuveiro a única coisa que se movia ali dentro.

Lá na sala, seus pais assistiam televisão e conversavam com o filho mais velho:

- Eu acho que agora ele se levantou. Um banho frio sempre é bom pra curar uma ressaca.

- Poxa, o Marcos ontem estava bêbado demais, hein? – dizia o seu pai.

- Pois é, não agüentou ficar de pé nem meia hora – respondeu Marcelo, o filho mais velho.

- E quem foi que o trancou no quarto? – perguntou a mãe?

- Eu, claro. – afirmou Marcelo.

- E que história é essa de que ele tirou a roupa?

- É que eu o tranquei no quarto e ele queria sair de todo jeito. Então ele ficou lá no quarto gritando e tirou toda a roupa. Mais tarde, já no fim da festa, eu e Roberto entramos lá e vestimos a sua roupa e o colocamos na cama. Eu acho até que ele nem vai lembrar disso. Estava bêbado como eu nunca vi – respondeu Marcelo para a sua mãe.

Enquanto isso, no banheiro, a água escorria, lavando as máculas de Marcos, que nunca chegaram a existir. Ou melhor, existiram, só para ele.

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