O
MUNDO É BELO, TUDO É LINDO E EU BEBO TODAS!
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Samuel
Silva
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Gersinésio
era um cara normal, nada de excepcional, para bem ou para mal. Hoje já deve
estar passando perto dos quarenta, se já não entrou direto e tenta como
puder manter a idade bem lenta, que a moda é essa: a vida começa enquanto
se tenta.
Quando entrou na puberdade, virou leitor voraz de revista feminina, tipo Nova, que era onde ele podia ver seios, bustos e peitos femininos desnudos ou só vestidos de langerie; só mais tarde teve acesso, escondido dos pais, à pioneira Status. Acredito que até hoje ainda tenha a edição sensacional com a monumental Rose di Primo, do tempo que mulher nua era mulher nua e não "modelo e atriz". De tanto disfarçar quando a mãe por ele passava, acabou realmente lendo as matérias da revista Nova e aprendeu sobre menstruação um tiquinho, dicas de maquiagem outro tanto, mas era informação inútil, descartou com o tempo porque memória ocupa espaço, como se sabe bem nesta era informática. Depois de aprender na teoria como era um peito de verdade, sem tantos panos a escondê-lo, nem bem completado quatorze anos, decidiu que fora desmamado precocemente e que tinha que aprender na prática, sem saber, ainda, que a teoria na prática é outra. E, tímido e inexperiente, uniu-se a outros garotos e passou a beber cerveja. Sim, porque o que aqui se conta é sobre embriaguez e não sobre safadeza, embora este último seja tema bem mais popular - e eu sou pop. Lembro do dia em que Gersinésio foi à sua primeira festa, mais propriamente denominada raifai, já alcoolizado, coisas de adolescente de antanho, quando se bebia antes e não durante a festa, já que nela só eram servidos refrigerante e ki-suco. Chegamos atrasados e alegres, mas foi uma decepção: como tinha garota feia! E olha que não só feias, também tinha muito feias. Magrelas, gorduchas, narigudas, vesgas, cabelo ruim, "1001", estava mais para um pequeno circo dos horrores do que para aquelas imagens que Gersinésio conhecia de revista. Peito, então, faltava, nada exuberante, nada volumoso, quase todos miúdos, espinhas encravadas! As garotas de um lado, os rapazes do outro, aquela impressionante divisão dos sexos e um dos nossos cochicha ter trazido uma garrafa de uísque da coleção do pai, um diplomata muambeiro de uma bolívia qualquer. E tome, aliás, e tomamos, tomamos e tomamos muito uísque com coca-cola, guaraná, crush, grapete, até com ki-suco. Gersinésio, sempre observador, dava seus golinhos na bebida e perscrutava a plêiade de representantes do belo sexo, qual vigia de embarcação perdida em busca de terra firme, e olhava o relógio. Bebia, perscrutava e olhava, não necessariamente nesta ordem. Virou-se para mim e disse: "parece que a coisa está melhorando, já tem umazinhas melhores, né não?". Eu, que bebia, bebia, bebia e só então perscrutava, para depois mais beber, concordei em voz sonida. Gersinésio bebeu, perscrutou e olhou, "Tá quase bom, rapaz! Tem umas cocotinhas do pirú!" Eu concordei com um som sem voz, enquanto tentava me lembrar se aquilo no meu copo era guaraná puro, uísque puro, mistura de ambos ou se eu tinha feito alguma confusão quando da última ida ao banheiro. Gersinésio me cutucou, orgulhoso: "Aquela loirinha ali tá me dando mole! E aquela moreninha também! Duas cocotinhas de arrasar!" Penso ter balançado a cabeça em concordãncia mas nem pude conferir, pois o bravo Gersinésio virara seu copo de uma só vez e, decidido como um Nelson em Trafalgar, irrompeu pela vasta área vazia que nos separava das meninas em direção às ditas, mas as pernas ou o chão lhe faltaram e recuou mais rápido ainda, quase em queda, até o sofá. Bebeu o que tinha ainda no meu copo, fosse o que fosse e declarou, sussurradamente aos gritos como só um bêbado consegue: "Putz, cheio de mina boa e tudo dando mole para mim"! Gersinésio, infeliz, nunca conseguiu pegar as meninas: de tanto beber, chamou Raul e apagou. |
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