"...PUBLICUS
EST"
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Paulo
Panzoldo
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Dizem que o primeiro porre
a gente nunca esquece. Pois eu esqueci, ou não guardei na memória, sei
lá. Tinha três anos de idade quando entornei um copo cheio com caipirinha
bem na presença - distraída, claro - de meus pais, tios e avós. Foi uma
correria, contam.
Passaram-se doze anos até o segundo porre e nesse período tornei-me um consumidor de álcool inconsciente, tal e qual milhões e milhões de crianças por esse Brasil afora. No meu tempo tinha álcool no fortificante, no xarope pra tosse e até mesmo no bombom e no dentifrício. É um modo covarde de se criar dependência, além é claro, da perda de neurônios provocada a cada "gole", a cada inocente escovada de dentes. Eu tenho uma curiosidade danada de saber quem tomou o primeiro porre da humanidade. Teria sido Bacco, o deus do vinho? Acho que não, pois para os antigos criarem um mito para a proteção dos bêbados é porque alguém muito importante já andava tomando os seus pileques. Contam também que na Roma antiga um César qualquer decretou que "anus alcoolicus publicus est!". Meu segundo porre foi num sábado de carnaval. Tem foto. Cheguei ao salão do Centro Avareense vestido de mulher e acompanhado de três "distintas senhoras": o Tuca, o Celso e o Paulinho. Tuca vestia pantalona vermelha, "bustiê" branco e já que tinha os cabelos longos, colocou um imenso chapéu preto na cabeça. Celso, vestiram-no com um tubinho básico, também preto, uma peruca loira e um longo colar de pérolas. Paulinho, coitado, mais parecia uma primeira dama em dia de posse, de tailleurzinho bege, discretíssimo, com uma peruquinha estilo Channel. Na foto eu pareço mais uma lavadeira crente, que caiu na folia por tentação. Me arranjaram um vestido, desses que as senhoras usam pra lavar roupa, um lenço na cabeça segurando uma peruca com cabelos pretos, crespos; e aquela perna peluda - recusei-me a vestir meias de nylon. Num pé um tênis branco, o outro, descalço. Carregava uma dessas bolsas que mulher leva em festa de casamento, que não cabem absolutamente nada. A bolsa era de estimação da avó do Tuca e "tinha que ser muito bem cuidada", senão... A decisão de fantasiar-se de mulher foi prévia, democrática e etilicamente tomada. Com os pés redondos, fomos para a casa do Tuca providenciar o necessário. Toma mais um uísque daqui, outro dali, mais um conhaque acolá... o baile mal havia começado e a tal da bolsa me cai das mãos. Eu abaixo a fim de pegá-la e caio. Me contam que eu, de quatro, engatinhava em direção a ela e quando chegava perto, algum safado filho da mãe chutava para outro, que cabeceava para outro enquanto eu corria, de gatinho, no meio da roda. Apaguei bem ao estilo FHC. Só fui acordar na Santa Casa, já com a certeza do por quê os antigos criaram o deus Bacco e dando graças pela queda do Império Romano. De lá para cá foram porres por demais. O apagão já não vinha e - juro - nunca mais me vesti de mulher. Bebi por duas vidas. Há três anos e meio venho me mantendo totalmente seco, brigando contra o álcool tal e qual aquela "lavadeira": de gatinho; é assim que o álcool nos deixa, com milhões de neurônios a menos a cada dose. Hoje, só me restam dois, a quem carinhosamente chamo de Tico e Teco. Eles correm de um lado para o outro dentro da cabeça e dificilmente se entendem. Aturam-se porque um depende do outro para sua própria sobrevivência. Por isso, caro leitor, evite o primeiro gole. Só por hoje! Ah! A bolsa da avó do Tuca foi devidamente devolvida, intacta, por Bacco. |
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