CACHACEIRO
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Fernando
Zocca
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Os malignos falam muito
sobre as pingas que eu bebo, mas nunca sobre os tombos que eu levo. Por
isso vou lhes contar uma de minhas facetas. É assim:
Meu pai era açougueiro. Minha mãe professora. Dei um trabalho dos diabos durante minha adolescência. Já no início da maturidade, tentei ser locutor de parque de diversão. Fui preterido por um moreno boa pinta que namorava a filha do proprietário do estabelecimento. Minha mãe não me suportava mais durante minhas crises de tédio e revolta. Por isso mesmo me deu suas economias para que juntamente com um cunhado abríssemos um comércio de produtos alimentícios. Fizemos tudo direitinho conforme mandava a lei. Tudo correto com a Prefeitura, o Estado e demais entidades correlatas existentes nas sombras dos empreendimentos. Mas depois de alguns meses, o aluguel esvaziou a pequena sobrinha do caixa. Aquele fato me deixou preocupado. Mostrou-me como éramos frágeis e dependentes das forças do mercado e suas leis. Bem, eu não "sacava" muito do assunto, assim como entendo hoje, do alto dos meus setenta anos. Mas meu sócio na ocasião achava que deveríamos fazer um "trabalho" dentro do estabelecimento, logo atrás do balcão principal. E foi o que fizemos. Tinha até imagem do capeta. Bom, não é preciso muita ênfase para afirmar que nossas portas se fecharam logo depois não é? Então, o fato serviu para que minha mãe e aquele chato de meu irmão me pegassem ainda mais no pé. Não desanimei e entrei num curso vago onde se ministravam aulas de Contabilidade. Consegui o diploma e o mais incrível: um emprego logo depois numa empresa multinacional que se estabelecera numa cidade vizinha. Mas os chatos haverão de sempre me lembrar que a relação de emprego não durou mais do que vinte dias. O tempo suficiente para que minha esquálida conta bancária se tornasse adiposamente opulenta em termos de numerário. Mas como explicaria eu para todos aquele súbito enriquecimento? Naquela época acabava de surgir a loteria esportiva. E não foi por acaso que "ganhei", com "ajuda de Deus" um dos seus prêmios mais substanciais. Mas a alegria de pobre (é a regra) dura pouco. Meu nome foi parar lá na delegacia de polícia levado por um dos diretores da portentosa fabrica. Bem pra resumir, minha senhora, mulher, esposa, consorte, diretora escolar, professora e os cambau me internou a bem também da saúde dos nossos doze filhos, numa clínica psiquiátrica Espírita onde permaneci até que a fúria dos credores se extinguisse. Recebi o tratamento dado aos que tem como vício a embriaguez: eletro-choques, (racharam minha cabeça com tanta energia elétrica), medicação pesada, passes e água, muita água. E agora, beirando os setenta, e ignorando a pecha de pinguço, ébrio e louco quero em nome do progresso da minha cidade, ser o presidente do glorioso esquadrão futebolístico representativo da aguerrida população dessa gloriosa urbe. Perseguirei todos os ladrões que furtaram verbas e enriqueceram de forma ilícita. Tenho o apoio de vários segmentos da sociedade. Principalmente da operosa classe dos comerciantes, cristalizada naquela mui e sempre querida associação comercial, de quem sou fervoroso e respeitoso acólito. Tenho dito. |
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