SE
EU FOSSE UM LÁPIS
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Alberto
Carmo
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Quisera ser um lápis. Pelo
menos um legítimo "crayon", daqueles com cabeça de borracha.
Um autêntico nº 2, com ponta precisa e fina, elegante tal qual um "sir"
de Nossa Majestade. E com educação de berço, educado no mais austero padrão
"HB".
Não seria preciso nascer em berço de ouro, nem herdeiro de patrimônios de outros grafiteiros. A mim me bastaria ser de madeira nativa, sem agrotóxicos, nem engenhado geneticamente. Um pau firme, ainda que torto, mas de preferência da espécie Brasil - Brasil pós-colônia - que pirataria não faz meu gênero, exceção feita aos downloads básicos, dos quais nem o Barbosa Sobrinho escaparia, tivesse nascido pouco depois. Mas tudo é relativo, menos a impotência. Assim nascido, de parto normal, enxugaria os vestígios placentários e cairia na vida, com a ponta, a coragem e, desta linha em diante, em tempo presente, pois o presente já se faz imperativo, e urgente. De infância, basta-me uma casa rascunhada. Poucos amigos - que muito nunca os há - calças-curtas, suspensórios, árvores a subir, lagoas a nadar. Parcas surras, mas bem dadas; músicas, neste momento só as do folclore - juninas, natalinas, de roda, e as dos contos de fadas, que meus ouvidos ainda são imberbes, suscetíveis a vírus e influências malignas dos marinhos Robertos. O mar azul, levem-me a vê-lo sem demora, para que eu aprenda, desde cedo, que a violência deve se brandear em espumas. As tempestades, não m'as escondam, porque elas trazem a brandura a tiracolo. De presente, dêem-me uma régua somente, para que eu aprenda a fazer meus riscos sem maiores riscos. Mas não me apressem, que além da perfeição, do desfrute inimiga ela é. Infância, eu só vou ter novamente após os oitenta. Portanto, deixem sua pressa aguardando no cabide. Se na adolescência eu, por ventura, rasgar uma folha, ao querer impor a impetuosidade da minha letra, serrem minha ponta, para que eu aprenda a escrever em todas as texturas humanas, sem jamais rasgar. E se algum papel se me apresentar áspero demais, não me impeçam de tentar minha caligrafia, mas não me deixem abandonar o terreno difícil. Quando, na volúpia "teen" de escrever, eu não encontrar tempo para tirar os olhos da minha escrita rápida e do meu estilo afrontador, tragam-me um papel de seda, onde eu aprenda a traçar com cuidado. Se minha ponta aguda ousar um escrever de espadachim, mostrem-me uma lágrima, para que eu me lembre dela mais tarde, quando dela precisar um afago. Quando minha grafite chegar à metade, já mais calma e macia, ensinem-me a escrever semínimas e máximas, que ditem calmantes aos que me acompanhem nas dissertações da vida. Se eu, num momento de desvario, quiser pôr um ponto final, transformem-no num ponto e vírgula, ou em reticências, para que eu veja que há tantas vírgulas num texto... Se o apontador não me frear os ímpetos, tragam-me giletes, que deformem minha ignorância teimosa. Mas me deixem a lembrança do meu último sorriso. Quando mais usado, por haver escrito epopéias, alexandrinos e romances, heróicos ou não, deixem-me versejar rosas. Deixem-me perceber que não vivi ileso, guardado no estojo. Deixem-me sentir-me um toco de lápis, gasto em milhares de páginas, com pouca lenha a queimar ainda. Uma madeira gasta, com rugas de um coração bem batido, envolvido, entregue, e doado. Pois a lápis dado não se olha a ponta... |
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