AVOZINHA
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Paulo
Panzoldo
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Pode-se
dizer que ele é um cara politicamente correto. Não um desses chatos, certinhos
demais, não. É de sua própria natureza ser empático com quem quer que seja.
Não impõe barreiras e derruba as que lhes são impostas pela vida com uma
certa naturalidade.
Minha avó dizia que "não há bem que sempre dure, nem mal que sempre perdure". No meio da tristeza, sempre existe uma alegria e no meio da alegria, sempre existe uma tristeza. Quando eu casei o padre disse: "Na alegria e na tristeza...". Dizia o poeta que "no meio do caminho tinha uma pedra..."; a questão portanto, não é a pedra em si, mas a forma como a encaramos. No cotidiano neurótico da cidade de São Paulo, além da buraqueira do asfalto, do trânsito caótico, encontramos muitas e muitas pedras pelo caminho. Ele ia dirigindo na maior euforia para contar, festejar, comemorar, tomar um porre: tinha entrado na faculdade e sua alegria não nascia desse fato em si, mas do fato de não ter que passar por mais uma ano na condição de "vestibulando" - um Ser antisocial, abestalhado, abstêmio e assexuado; uma ameba conduzida ao sucesso por um bando de malucos. Farol vermelho. Nem bem o verde acende... FOOOOOOOOOOM. Olha pelo retrovisor e pelas pontas dos brancos cabelos e pelos largos óculos entre a metade superior do volante, percebe que trata-se de uma "avózinha". Não reage. Acelera normalmente e continua naquilo que os técnicos chamam de "velocidade compatível com o trânsito local". Mas ela tem pressa. Muita pressa! A rua é estreita e ela ziguezagueia atrás dele com os faróis do carro acesos. Não tem por onde passar, mas quer passar de qualquer jeito. Fim da rua. Mão única de direção, à direita. Ele pára obedecendo a placa: PARE! Ela o corta pela esquerda e, sem olhar para lado nenhum, vira. Freadas, freadas e mais freadas. Buzinas e xingamentos de toda espécie e tom. Ela se assusta e pára de uma vez, no meio da rua. Ele abana a cabeça, aproveita o "corta-luz" e segue seu caminho. Ela, como uma desesperada, vem atrás, e finalmente, ao conseguir ultrapassá-lo, faz aquele tradicional gesto com o dedo. Ele apenas estende os braços em sinal de indignação. Farol fechado. Ele pára ao lado dela, que "manda" que ele abra o vidro. Ele obedece. - Você é um irresponsável! Não se toca quando alguém está com pressa? - grita, irada. - A senhora não acha que os papéis estão trocados? - Como assim? - O jovem "irresponsável" aqui sou eu e é a senhora quem quase causa um acidente lá atrás, com essa sua pressa inútil. - Você é mesmo um abusado que não sabe respeitar os mais velhos. Moleque! Não sabe o que é ter mãe ou avó? - Ah! Isso eu sei sim senhora, avózinha. Só que elas não correm tanto! O farol abre e ele segue seu caminho, eufórico, alegre, com a certeza de que, ao final das contas, tinha voltado a viver uma vida normal. |
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