Resolvi fazer uma reforma em casa. Ao projeto inicial foi anexada uma ampliação de minha suíte. Tudo muito simples e prático no papel, é claro. O mestre encarregado da obra garantiu a entrega em dois meses. Alalá, alguém já ouviu falar em reforma feita no prazo e com orçamento honrado?

Bem, quando começaram a desmontar o meu quarto, eu já quase enlouquecida via gente subindo e descendo com sacos de entulho, canos, ladrilhos. Minha cachorrinha negra coberta por camada de pó fantasmagórico. E aqueles homens estranhos, falando uma língua estranha, apesar da minha suspeita que fosse o Português, língua que eu julgo conhecer. Nos intervalos, eles cantavam, tomavam muito café e fumavam. Do ponto de vista deles, era tudo alegria. E eu no meio

Épocas anteriores aos racionamentos e apagões, com uma certa frequência eu ficava no banho, rádio ligado, deixando a água fazer sua função relaxante e me desligando daquela desordem de fora ou a interna, tanto faz. Naquela tarde o cenário era exatamente este, eu lavando os cabelos, olhos fechados, acompanhando mentalmente “Se todos fossem iguais a você”.

Foi uma fração de segundo. Eu abrir os olhos, ver uma mão de homem afastando a cortina, lembrar da Janet Leigh, dos homens da reforma, entrar em pânico e ir escorregando pelos azulejos, com o corpo adormecido. Tudo mais rápido do que a consciência, pois não consegui estancar o grito, mesmo estando diante de mim, o rosto sorridente de meu marido. Ele viera do escritório para me dar um beijo e me fazer uma surpresa. Fez.