MARFINS
À MOSTRA
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Marina
Cardoso
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Fundo: Lenine
"...A dança, a muganga, o dengo A ginga do mamulengo..." SP é sisuda. Coisa de cidade grande meio absurda, onde anonimato dá chance a tudo, ao mesmo tempo tolhe emoções que queiram transbordar-se. Era fim de tarde desses, no meio do engarrafamento, quando me deparei com o homem feliz. Caminhávamos par e passo. Eu presa entre toneladas de gás carbônico com pé no acelerador parado, e ele a passos largos e ritmo muito feliz, ria e rodopiava em seu próprio corpo. Indagação imediata: ele está bêbado ou é louco? Era um homem comum saindo do trabalho, com pasta surrada embaixo do braço forte, sapato velho, e ria, ria muito balançando cabeça e gingando corpo. Aquilo de tão bom que acontecera com ele me contagiava, e senti meus lábios abrirem-se absorvendo sua explosão de felicidade. Felicidade cravada no sorriso marfim do homem feliz. Teria encontrado a amada de surpresa? nascido primeiro filho? dado resposta precisa na hora exata? Chi lo sa? Estava feliz e isto bastou para me cativar pela alma. É tão difícil de ver sensação de felicidade pelas calçadas de SP, que neste dia fiquei tomada pelo homem e parti em busca de emoções espontâneas das pessoas. Rodei um pouco mais e cheguei próximo à Avenida Nova Faria Lima. No farol não pude deixar de sorrir para a pedinte-delivery, que fazia sua procissão cruzando carros por 10 centavos para o bebê, que vinha empurrado num sofisticado carrinho, presente de algum outro alguém. Na simplicidade de sua praticidade, bebê grandinho e lá ia ela, sem colo frágil, mas orgulhosa de sua cria e mostrando os dentes com um sorriso largo. Parecendo uma taxista caçando freguês metralhava olhar dando um 360. Dentro dos carros única expressão era tédio, cabeças rodando, massageando pescoço, alguns raros cantando, muitos no celular para sair do casulo quatro rodas do asfalto na noite que entrava. Estava quase chegando próxima à sinagoga da Mello Alves, quando o farol iluminou uma família e meus marfins tiniram novamente. Era uma mãe judia, com a clássica roupa longa, duas filhas com uniformes de colégios tradicionais e uma vestida de fadinha. É, uma fadinha de dourado, com varinha de condão balançando no ar. Tudo reluzia naquele início de noite e me dava por feliz. Nisto um homem que parecia um boi bumbá rodopiou na diagonal da rua com roupa de trapos multicoloridos e gargalhava. Teatro? Não. Força desesperadora pela vida. Novamente me questionei: louco, bêbado ou muito lúcido? Meu coração acelerou, o farol abriu, ele gargalhava e dei um grito para esse personagem da grande ópera bufa da cidade, como que aplaudindo. |
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