NO
MEIO, A ALEGRIA
|
|
Edmundo
Santiago
|
|
Narciso
tinha acabado de entrar no restaurante, com a turma do escritório e alguns
representantes de seu cliente, o Dr. Paulo, para uma happy hour. Afinal,
tinham que comemorar o seu excelente desempenho na campanha do seu cliente,
que já estava quase eleito, para que todos ali soubessem como ele era o
bom. Estava orgulhoso. Acendeu um cigarro enquanto se dirigia a mesa, pois
assim perderia um pouco da fome e não passaria o vexame de comer como um
porco de novo (mesmo porque é difícil fazer isso em um restaurante francês)
e, principalmente, por que fumar ali era proibido. Qualquer um dos seus
colegas de escritório poderiam ser expulsos se pegos fumando, mas ele era
um grande cliente, só ele era Narciso Bucconi Santiago, o melhor, na opinião
dele e de muitos analistas do mercado, publicitário do país.
A comida chega. Todos fingem se divertir, Narciso olhando para o seu L&M Light fingindo que está tendo uma grande idéia para tirar esse "light" do nome, como agora manda o governo. Nisso ele olha para a janela e vê dois moleques de rua, cheirando cola. Começa a pensar nesse problema social que aflige tantas pessoas, pois hoje quase que não se pode sair de casa sem encontrar com esses marginais, animais loucos para te assaltar. Ao pensar nisso, vê uma senhora que entrava na rua, fazendo com que uma das pestinhas (um deles era uma, apesar de ser difícil perceber qual) se escondesse, junto com os saquinhos cheio de cola. Se assusta ao ver que a propaganda no saquinho, que era um ótimo trabalho, mesmo este estando rasgado e imundo, e temia que fosse de seu arqui-inimigo Duda. Pensa em perguntar para alguém, mas poderiam pensar que estava admirado. O pestinha pede dinheiro para a senhora, ou comida, ele não sabia. Ela aparenta dar aquela explicação padrão ("Eu só tenho o dinheiro do ônibus" ou coisa parecida. É interessante como as pessoas esquecem que possuem carro nessas ocasiões). Enquanto ele insiste, a pirralha abre a bolsa e rouba a carteira da senhora, que nem percebe. Safados! E ninguém faz nada! Esses vagabundos deveriam está na cadeia, pensa primeiramente. Depois, olhando melhor, vê que deveriam estar na escola, que nem seu filho, provavelmente, pela idade, na mesma série. Se lembrou que não sabe em que série está o Junior. Precisava conversar mais com sua ex-mulher. Enquanto experimenta mais uma obra desastrosa de la cucine francesa, observa atentamente os cafajestes do outro lado da calçada. Um estava imitando a senhora assaltada, enquanto a outra ficava dando gargalhadas que se fazia ouvir de dentro do restaurante. Alguém diz que a segurança já estava tomando algum tipo de providência, mas ele nem ouviu, de tão entretido que estava com aqueles miseráveis. Percebia que havia algo estranho, talvez no olhar da menina enquanto dava risada, ou então na falta de talento teatral da outra criança, enquanto esnobava. Parecia haver algo que ele não conhecia muito bem no meio deles. É, havia algo no meio deles! Só que ele não sabia o que era. Mas também não se importava, perdendo então o interesse nas criaturas e se voltando para os colegas de trabalho. Narciso acha feio o que não lhe é espelho. |
|
Protegido
de acordo com a Lei dos Direitos Autorais - Não reproduza o texto
acima sem a expressa autorização do autor
|