Tema 028 - MEIA PALAVRA
BIOGRAFIA
O LIMITE DO HUMOR
Maurício Cintrão
Não sei até onde pode ir o limite do humor. Não sei, sequer, se humor tem limites. O fato é que, por conta de se fazer humor, há quem ultrapasse as minhas limitações. Em um site de escritores amadores, por exemplo, há um sujeito que assina artigos escatológicos como Adolf Hitler. Escreve bem, o danado. Mas que raio de humor é esse?

Vez por outra vejo por aí artigos questionando, até, se houve, realmente, a morte de milhões de judeus durante a Segunda Grande Guerra. Conhecidos chegam a defender apaixonadamente a tese de que o holocausto é um caso de marketing. E as piadinhas vertem veneno, dizendo que os nazistas fizeram um péssimo trabalho pois só exterminaram alguns milhões.

Tenho sérios problemas para lidar com esse tipo de humor. Não gosto, por exemplo, de piadas depreciativas sobre negros ou alusivas a câmaras de gás e fornos crematórios coletivos. Talvez seja um defeito meu. Quem sabe eu esteja errado, pois a maioria das pessoas que conheço sempre conta uma anedota desse tipo. Os mais cuidadosos ainda emendam: "ora, é só piada, na verdade eu não tenho esse tipo de preconceito".

Será que a crueldade é uma questão subjetiva? O conceito de desrespeito à vida varia ao sabor das modas, dos gostos e dos pontos de vista? Ou estamos todos anestesiados ao ponto de ignorarmos a violência representada pelo desrespeito à História?

Porque ignorar os dados compilados ao longo de séculos é aceitar os títeres como artistas de circo. É conviver com os genocidas como se fossem atletas amadores de uma equipe de esgrima. É ajudar a apertar o gatilho.

A minha idéia sobre escrever crônicas não incluía este nível de reflexões. Mas meu espanto diante da fermentação de uma postura rediviva e fascistóide não permite meias palavras. Os nazistas dos ovos de serpente eram tratados como personagens hilárias pela elite pensante da Alemanha. Poucas cabeças livres sobreviveram ao nazismo.

Será que vale a pena repetir esse tipo de humor?

E não pensem que sou daqueles sujeitos de patrulha, que buscam situações politicamente incorretas para denunciar excessos e posar de campeão da sabedoria. Acho uns chatos esses grupos que se organizam para aporrinhar a criação. Mas, convenhamos, os excessos incomodam.

Desculpem, mas vivo em um país de gente impura. Aliás, não quero ser ariano, nem tenho a pretensão de ser perfeito. Adoro a diversidade. Adoro o Brasil dos diferentes com seu negros, mulatos, índios, orientais, brancos, judeus, católicos, muçulmanos e mestiços de todos os matizes e crenças.

É nesse contexto em que escrevo e já não tenho mais idade para fingir que não percebo. A piada que reproduz o preconceito é o aperitivo da morte de todas as liberdades.

Prefiro continuar sendo livre, independente da cor ou do sobrenome. Prefiro perder a piada a perder o amigo.

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