CRIME
NO CENTRO
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Luís
Augusto Marcelino
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Horácio
Figueira montou seu escritório na Rua dos Andradas - mais pelo valor do
aluguel do que por uma questão estratégica, mercadológica. Está instalado
lá desde de 1998, ano em que concluiu seu curso de detetive à distância.
Mas não dá pra dizer que Horácio não tinha jeito para a profissão. Era,
acima de tudo, um curioso. Coleciona até hoje todo o material divulgado
pela imprensa quando da morte de Tancredo Neves. Afirma para todos os conhecidos
que tem fortes indícios de que houve um assassinato, e não uma morte natural,
como propagado. Só não sabe ainda afirmar quem teria sido o mandante. Além
disso elaborou teorias mirabolantes sobre as mortes de Ulysses Guimarães
e PC Farias. Todos os dossiês estão trancafiados em seu velho cofre de um
metro e meio de altura, dentro do escritório. Além disso, tem cópias em
disquete escondidas sabe Deus onde. A única coisa que revela é que apenas
uma pessoa teria acesso a esses documentos, caso ele viesse a faltar. Inclusive
já dera instruções para o misterioso guardião entregar à mídia paulista
todo o arsenal de pesquisas e conclusões realizadas durante os últimos anos.
Só não tinha, ainda, conseguido um caso de peso, que o levasse para a TV
e jornais. Ficava limitado às investigações rotineiras de adultério e de
sumiço de cães de estimação. Era conhecido como "Ace Ventura da Boca
do Lixo" - uma referência clara ao tipo de freguesia que atraía e ao
seu local de trabalho. Não se importava. Sabia que um dia seria reconhecido.
Seria o mais famoso dos detetives brasileiros. Só precisava de uma oportunidade.
- Bale... Quando avistou o sujeito estendido no chão, ensangüentado, gemendo baixo, correu em direção ao moribundo. "O que houve, o que houve?" Só deu tempo de erguer suavemente a cabeça raspada e encarar por poucos segundos a expressão assustada do pobre infeliz. E de ouvir a palavra que se tornaria a única pista para descobrir o que acontecera. "Bale..." Palavra sem sentido para chegar a qualquer conclusão. Então o quê poderia ser? Um nome. Bale... não lhe vinha à cabeça um nome que começasse assim. Bale, bale... Talvez um sobrenome. Balecchio, Baledini, Balestrini... Figueira sempre admirou sobrenomes italianos. Faziam-no lembrar da máfia e, obviamente, dos crimes cometidos por ela, que um dia haveriam de lhe proporcionar um caso importante. Sim. Chegara a conclusão de que estava frente a frente com um horrendo assassinato cometido pela máfia da Móoca. Era sua chance de ouro. Chamou a polícia. Enquanto a viatura não chegava tirou fotos. Foi aí que percebeu o erro que tinha cometido. Lembrou-se de um dos manuais. "Nunca mexa no corpo." Ele tinha mexido. Mas sabia exatamente qual era a posição em que o morto estava antes do último suspiro. Colocou-o de volta no lugar. Mais fotos. Alguns curiosos se aproximaram. "Ninguém toca no cadáver, tá escutando?" Pouco tempo depois chegou uma van da imprensa. "Quem achou o corpo? - perguntou o repórter." Figueira se apresentou. Tirou um cartão do bolso interno do paletó surrado. "Às suas ordens". Corpo levado pelo IML, Figueira partiu para a investigação. Descobriu que a vítima era um comerciante do Bom Retiro. Cheio da grana. Ligou para a família e ofereceu seus serviços. O filho mais velho topou. Marcaram um encontro. Seria na noite da sexta-feira que sucedeu o assassinato do comerciante. No Largo do Arouche, às sete da noite. Ao chegar, Figueira perguntou para o balconista se alguém o havia procurado. "Sim, aquele rapaz!" Dirigiu-se à mesa onde estava Roberto. Esticou-lhe a mão. Acomodou sua pasta numa das cadeiras vazias. Roberto parecia atordoado. Assustado, também. O investigador tirou da pasta uma pequena caderneta. Prometeu ao jovem órfão que, em pouco tempo, haveria de encontrar quem fizera aquilo com o pai. - Ele tinha inimigos? Esta pergunta já estava anotada na folha. - Pra dizer a verdade, não sei. Minha mãe vive falando que, no mundo dos negócios, todo mundo tem inimigo. Nunca estive muito próximo do pai. - Hummm... Escuta, Roberto. Antes de morrer, seu pai tentou me falar algo. Pode ser que seja o nome de alguém. Ou de uma loja. Ou de um fornecedor. - E o que ele falou? - Bale! Mas tenho certeza de que não conseguiu terminar o que queria me contar. Pode apostar que era bale alguma coisa. Você tem idéia do que possa ser? - Acho mesmo que pode ser um nome. O nome do assassino, quem sabe. - Andei pesquisando na lista telefônica. Pouca gente com um sobrenome desses. Mesmo assim procurei alguns deles. Nenhum com aparente ligação com seu pai. A não ser que você me diga o contrário. Vou te dar este envelope. Dê uma olhada. Quem sabe você conheça ou tenha ouvido falar de algum deles. Roberto examinou ficha por ficha. Nada. Nenhum nome familiar. Contrariou-se por não poder ajudar. "Então vou prosseguir investigando. Te ligo em uma semana, no máximo." Acertaram o preço. Figueira pensou em pedir alto. Mas se contentou com a primeira contra oferta do rapaz. O que queria mesmo era descobrir o assassino. Isto já lhe bastava. Fama. Prestígio. Capa de revistas. Quem sabe rendesse até uma adaptação da TV. A única coisa que lhe angustiava era a escassez de pistas. Uma palavra. Melhor dizendo, parte de uma palavra. Meia palavra, provavelmente. Onde buscar mais pistas? Passou a investigar o trajeto do morto, desde sua loja na José Paulino até a rodoviária antiga, que virou uma grande galeria de lojas. O velho costumava ir até lá se encontrar com uma puta, de nome Vanessa. De lá seguiam a pé em direção à Praça Roosevelt. Paravam num restaurante, iam para o fundo. Ela pedia uma cerveja; ele uma vodka pura. Permaneciam por uma, duas horas. Depois entravam no hotelzinho chulé no mesmo quarteirão. - Não. Naquele dia não me encontrei com ele. E se tivesse encontrado? - Precisa me ajudar... Tirou da carteira uma nota de dez. Ela arregalou os imensos olhos pretos, puxou depressa a nota e a colocou entre os seios. Contou que o amante, estranhamente, no dia em que sempre se encontravam, não compareceu ao seu ponto. Então ela esperou meia hora e arranjou outro "criente". Mas soube através do Quim - dono do pequeno restaurante - que naquele final de tarde, o velho passou em frente ao estabelecimento. Diferentemente dos dias em que estava acompanhado, ele caminhava a passos largos. Depois disso, ninguém mais o viu. Nem o porteiro do hotel, nem ninguém mais que o conhecia daquelas bandas. Ele a dispensou. Dirigiu-se para a rua do restaurante. "Onde é o restaurante do Quim?" Entrou. Do lado de fora do balcão seis bancos fixos e dois fregueses. Pareciam bêbados. Ao fundo, três pequenas mesas quadradas, forradas com toalhas de mesa vermelha, enfeitadas com vasinhos de porcelana barata e flores artificiais. Perguntou pelo Quim. "O que quer?" - respondeu o dono. Pediu informações sobre o paradeiro do seu André. Queria saber para onde poderia ter ido o finado. O homem só sabia que ele tinha seguido em frente, rumo à Praça Roosevelt. Nem olhou para o boteco, o mal educado. Os dias foram se passando e nada de as investigações avançarem. Por um lado isto era bom. Faturava como nunca, o Figueira. Por outro, a falta de pistas o deixava angustiado, frustrado por não conseguir resolver o caso que o elevaria à fama tão almejada. Um mês e meio depois do terrível assassinato, caso esquecido pela imprensa, recebeu uma ligação da viúva. Roberto pedira para que ela acertasse as contas do detetive, pois não tinham mais esperança de descobrir o assassino. "Mas estou tão perto, senhora." Sem mais nem menos. Era só passar no dia seguinte para retirar o cheque. A família se cansara de esperar. Nove e meia da manhã Figueira chegou ao prédio, em Higienópolis, para pegar seu pagamento. A velha viúva desceu, cumprimentou-o friamente e lhe entregou não o cheque, mas quatro notas de cem dólares. - E o Roberto, onde está? - A esta hora já embarcou para a Europa. Vai estudar lá por uns tempos. - Que bom! Mande lembranças quando ele ligar. Enfiou as notas dentro da maleta e seguiu seu rumo. No final das contas, saiu satisfeito. Juntando tudo o que tinha ganho, dava para pagar os aluguéis atrasados e, quem sabe, comprar novos equipamentos de escuta pelo reembolso postal. Decidiu passar na banca e pegar um jornal. Ao chegar no escritório, abriu o cofre e guardou os dólares. Ia ligar para a irmã, mas lembrou-se que estavam brigados. Pegou uma xícara de café e abriu o jornal. Estava estressado. Quis ler coisas amenas. Parou na coluna social. "Jovem brasileiro embarca hoje para fazer estágio no Balé de Moscou." Desse dia em diante, Figueira passou a ler também as amenidades publicadas nos jornais. |
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