CONVERSA
FIADA
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Ana
Peluso
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- Te dou uma moeda de dois cents pela bola de gude amarela! - Nem pensar. Vale sete! Ta me achando com cara de idiota? - Deixa de ser mesquinho. A bola é velha... - É, mas é amarela! - E daí? Só por isso? - Ué?! Pois não é justamente por isso que você quer toma-la de mim? - Eu não quero toma-la de você. Quero compra-la. - Por dois cents?... - E o que você quer que eu faça? Só tenho dois cents... - Nem pensar... Então quero algo a mais... - Não pedindo minha coleção de fig... - Quero sua coleção de figurinhas de automóveis antigos! - Ah, nem vem! Sabia que ia pedir isso. Sabia! - Então babaus... Fica sem a bola amarela. - E você sem a coleção de figurinhas de automóveis antigos... - Você não ia dar mesmo... - Você não sabe!... - Claro que sei. Faz anos que tento trocar qualquer coisa por essa coleção. Até o sutiã da Meg eu quis te dar. E ela tinha apenas treze anos!... - É mesmo... Eu fui um idiota. Devia ter aceito o sutiã da Meg. Só para saber se houve evolução de conteúdo! - Não fala assim da minha irmã! - Mas foi você quem começou... - Ta bom. Deixa a Meg pra lá... - Deixo, mas e a bola de gude? - O que tem? - Vai me vender, ou não? - Claro que não! Por dois cents, nem morto. - Pensando bem, porque não me vende por um abraço? Faz anos que dois cents não é mais dinheiro... - Eu sei. Mas papai me disse que valia sete cents e por menos não vendo. - Nem por um abraço? - Não. - Grande amigo... - Eu sei... Sempre fui. Você é meu melhor amigo. - Você também... - Meu melhor cunhado. - O único. - Pai dos meus dois sobrinhos. - E marido da sua irmã. - E meu sócio. - E responsável conjuntamente por nossa empresa que já foi de vento em popa. - Mais vento que popa... - Então! Somos cúmplices. Somos unha e carne. Afinal de contas meu sangue acabou se misturando ao seu. - Só porque eu não quis fazer o pacto na aula de biologia... - Bem feito! Avisei você que nosso sangue se misturaria e seríamos como irmãos... Você não acreditou... - É, mas me lembro que o pacto era justamente para que você pudesse ser dono das minhas coisas, o que incluía minha bola de gude amarela. Uma raridade! Um verdadeiro âmbar!... - Larga de ser besta, âmbar é fóssil. - Nan, nan... âmbar é mosca fossilizada. - E não é fóssil? - Você está me enrolando... - Eu não. Tudo o que previ, aconteceu. Sou dono de tudo o que é seu, junto com você! Casei com sua irmã, sou pai de seus sobrinhos, sou dono de sua empresa, sua guitarra é minha e meu amplificador é seu e finalmente sou amante da sua secretária! - É. Mas a bola de gude amarela continua sendo só minha. - Isso é apenas uma questão de tempo... - Mais trinta? Você agüenta? - E você acha que eu pretendo morrer justo agora, que consegui tudo o que era seu? - Excluindo a bola de gude... - Já falei que é uma questão de tempo... - Pois pode morrer, porque essa você não leva. - Pois se eu morrer sem ser dono dessa bola, você morre de remorso. - To pagando pra ver. - E eu to pagando pra comprar. Vende?... - Nan, nan, ni, nan, nan! - Três cents! - Ué ta subindo a oferta? A última alta de índice da minha bola de gude amarela foi há quinze anos! - Pra você ver como sou democrático! Estou dando a chance de você decidir antes de dar novos lances. O próximo só daqui há quinze anos de novo e até lá você pode ter morrido e a bola será da Meg, dos meninos e minha. - Coloquei no testamento: quero ser enterrado com ela. - Eu não acredito! Você é um egoísta! - E você é um corruptor de donos de bolas de gude. Lembro bem como conseguiu aquela vermelha... - Parece um rubi, não parece? - Parece. Parece um rubi. Tanto quanto eu pareço um rubi. Veja como estou vermelho. Estou parecendo um rubi!... - Você está no sol há mais de duas horas se queria estar como? Azul? - Não, verde. Olha escuta aqui, desiste da minha bola de gude amarela e vai ler Harry Porter. - Você ta zombando de mim. Só porque não leio essa droga que você lê. - Você chama Proust de droga? - Ué, o cara me alucina e o que me alucina só tem um nome... - Você não tem jeito... - Mas você me adora! - Eu sei... - Então me vende a bola?!... - Nem pensar. - Dá? - Não. - Doa? - Não. - Empresta? - Tsk, tsk... - Deixa eu tocar nela, ao menos. - Não posso. - Porque? Tem medo que eu a corrompa com minhas mãos imundas de capitalista ocidental, farsante, que não acredita no sistema, mas finge acreditar? - Não. Não tenho medo da sua corrupção, nem da sua índole ou mesmo das suas digitais. É que a bola não está comigo hoje... - Como assim não está com você, hoje? - Eu aluguei pro Rubens. Cinquentinha a hora! Só vai devolver na segunda-feira. |
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