Tema 027 - LAVOU, TÁ NOVO
BIOGRAFIA
É MENTIRA
May Parreira e Ferreira
Uberlândia, oitodejunhodedoismileum.

É mentira! E se alguém me disser novamente que lavou tá novo, eu tenho uma história que diz que não é bem assim.

O início:

Sexta-feira, fim de festa, meu aniversário. Estamos, Paulo Eduardo e eu, nos despedindo de convidados. Um pouco de conversa no portão depois de vinhos e champanhes. A noite é agradável e a perspectiva de sábado nos deixa sem pressas. Nossa cocker, pequena e negra, sai para farejar o terreno, baldio, ao lado da casa. Depois de lavados os copos, sinto falta da minha sombra. Saímos para procurá-la. Sumiu.

Sábado e domingo batendo de porta em porta, faço papeletas no computador, distribuímos em caixas de correio. Segunda-feira mando fazer faixas: Adulto doente procura cocker preta desaparecida em 02/06. Atende por Nessie. Número de telefone e tal. Meu estômago dói. Se de fato a cachorrinha sumir, deverei ligar para SP e avisar a família. Minha Bá, a que me criou, já idosa e louca pelo bichinho, haverá de ter uma crise. O medo toma conta de mim. Como fui deixar acontecer!

O meio:

Terça-feira, entro num site de raças, pego uma foto gêmea de Nessie, faço cartazes: Estou doente à procura de Nessie. Qualquer informação, etc. Saio motorizada com meu Scooter, presente de parabéns, colando os papéis em postes, pontos de ônibus, bares. Sete da noite, o Nei da oficina de motos liga avisando que um amigo achou a cachorra no domingo e deu para um parente. A que horas você abre a oficina? Oito e meia da manhã estamos lá e vamos atrás do amigo dele que dormia numa ressaca braba. Era mentira. Brincadeira de bebum. Voltamos para casa desanimados.

Quarta-feira:

Telefone, alguém dizendo saber onde está minha cachorra. A moça diz que trabalha numa clínica. Vou pegá-la, um sobrado grande e rosa muito próximo de casa. Ela entra, Uesterleine seu nome. Pergunto, clínica de quê? De massagens eróticas, responde com um sorriso. Ahh! E você é massagista? Não, sou a gerente, o sorriso agora é maroto, eu vi a cachorrinha, trouxe ela pra dentro, na madrugada de sexta, e um amigo levou para outro bairro. Mas ela chorou muito, e quando viu uma brecha da janela aberta, pulou e fugiu.

Uesterleine me leva até o bairro onde pode estar Nessie. É muito longe. Em comparação com SP, levada do Itaim para Casa Verde. O sujeito queria a minha femeazinha, porque tinha dois machos. A intenção foi roubo mesmo. A mocinha está descompassada, ela viu os cartazes, a culpa foi se apresentando. Com toda boa vontade, me ajuda a pregar alguns papéis em lugares próximos ao sumiço. O peitinho da moça saindo de dentro do decote generoso de sua camiseta. Quem se importa?

Peço para o rapaz que pendurou as faixas, que as desloque para o outro bairro. Minha saúde vai definhando. A criançada da rua tenta me ajudar com suas bicicletas. A cada hora aparece algum para me dizer que, Não achei! Magata, a soberana, parece desconfiar do que acontece. Fica sempre por perto, está carinhosa, miando forte quando me ausento. Os bichos pensam será o quê?

O final feliz.

Quinta-feira. Logo pela manhã, o homem liga, Meu nome é Luiz, vi o anúncio, como é a sua cachorra? Dou detalhes, ele me diz, Eu estou com ela em casa. Comprei de um sujeito, porque ela estava chorando e ele não sabia cuidar. Digo, Verifique se ela tem uma verruguinha na orelha. Tem sim. Onde está o Sr? Se ela tinha sido levada para a Casa Verde, agora estava em Itaquera. Sou nova na cidade, saio correndo, guia na mão e rezando para conseguir chegar ao fim do limite urbano. A esposa do Luiz vem até a porta com meu carvãozinho no colo. Nessie e eu choramos e trememos durante algum tempo. Dei uma gratificação e os vinte reais que disseram ter pagado, o que não acredito, como alguém que passa fome vai comprar cachorro alheio?

Direto para a clínica, desta vez veterinária, para banho e checagem completa. A bolinha da orelha desaparecida entre carrapatos. A pelagem, antes aparada e brilhante, uma maçaroca. Minha velha está exausta. Pela idade dos cães, Nessie está com 84 anos, e sua aventura de seis dias durou, nessa proporção, um ano.

Chegamos em casa, fui também tomar um banho. Cansada, emocionada, e feliz porque não é desta vez que a Bá vai precisar sofrer de luto. Nessie e eu ficamos pregadas no chão o dia todo, sob o olhar apaziguante de Magata. Por onde será que ela andou? Que mundão de meu Deus ela descobriu? Nossos banhos nos tiraram o pó, mas estamos diferentes depois deles.

Paulo Eduardo e eu tínhamos o que comemorar, odisséia finita. Toca o telefone: voz de criança, máximo dez anos, É a senhora quem está procurando um adulto doido? . . . Um doido? É, um adulto doente. . . Não, meu bem, eu procurava uma cachorrinha, você entendeu mal os dizeres da faixa. Ah bom, porque daqui da janela eu estou vendo um doido na rua!

Tem pra tudo, não tem?

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