Tema 027 - LAVOU, TÁ NOVO
BIOGRAFIA
LAVOU ESTÁ NOVA
Marina Cardoso

SP tem casais exóticos. Como todos namorados eles conversavam bastante por telefone. Ela falava da vista de sua janela, hora do rush, trânsito caótico da Paulista. Trabalhava num escritório de advocacia com vários sobrenomes pomposos e vírgulas. Ele estava em casa neste horário, aliás desde às quatro da tarde. Jornalista, trabalhava para revista que na época diziam que era ocultismo, parapsicologia e outros quetais. Hoje seria coisa da Nova Era, aquele papo holístico.

Ele nunca saia de casa antes das dez da manhã. Deixava neura se afastar do bairro para poder caminhar tranqüilo. Aliás o que mais fazia era caminhar. Odiava dirigir, não pegava taxi para não gastar e ônibus era para viagens mais longas de um bairro a outro.

Enquanto ela andava de tailleur odiando a beca que o título de doutoura lhe impunha, ele andava de sandálias Birkenstock e meião, super relax. Se conheceram num sarau na Vila Madalena, lá pelo início dos anos 80.

Fim de noite, muito vinho na cabeça, aquele frio e ela viu o bacana alternativo saindo à pé. A inevitável carona acabou no apartamento dele. Iluminação já naquela época era apenas velas e mais velas. Não dava para detalhar decoração com luz difusa, mas o ambiente recendia a jasmim. Um certo enjôo pairava no ar.

Continuaram bebendo e bebendo: vinho do Porto dos bons, com 1000 anos pelo sabor. A coisa foi rolando, papo mais próximo, xale dela era pequeno para dois. Da sala acabou no quarto e tudo certo com tudo em cima.

Foi ótimo. Quando ela deu por si percebeu que ele havia capotado. A cama era encostada na parede, pois havia um baú com livros no espaço até a porta. Pintou nela aquela vontade enorme de ir ao banheiro, para número um. Ainda sob efeito do raro Porto não encontrava interruptor de luz. Pulou o dito cujo largadão e foi procurar casa de banho. Entrou numa porta era armário, entrou noutra, finalmente, banheiro!

Tateando aqui e acolá para não acordá-lo com luz no rosto. Niqui sentiu uma rebaixada, sentou-se e relaxou....O frio era muito grande não dava para ficar segurando vontade do xixi a noite inteira. Xiiiiiiii e pronto. Alívio. Nem pensou em dar descarga para não acordar moço do sarau. Deitou-se novamente na cama, com vira, mexe, puxa cobertor e já irritada quando começou a clarear. Novamente saltou o dito cujo com respeito e foi até a sala juntar suas roupas.

De passagem pelo banheiro, já iluminado pela luz do dia, viu a camisa dele no bidê com um papel higiênico em cima...Xiiiii, que merda. E ela que pensava que estava no vaso, e foi em cima da camisa dele. Agir com rapidez. Catou a camisa, jogou-a num balde, não achou sabão em pó, tascou um Pinho Sol e pensou: lavou está nova. Deixou um bilhetinho meigo com porta incenso em cima. "Nos falamos. Beijos", Tetê.

Hoje a coisa inverteu-se. Ele é funcionário e ela bailarina da vida. Ele tornou-se professor universitário e ela massagista de Reiki. Não possuem TV em casa, continuam acendendo velas. Ela jura que nunca mais teve problemas com seu tato, hoje suas mãos são poderosas... sei não.

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