Tema 027 - LAVOU, TÁ NOVO
BIOGRAFIA
UMAZINHA QUALQUER
Lisa Simons

Há muito Osvaldinho dizia pra Das Dores arrumar outro homem, a forma nem sempre era essa, mas que dizia isso dizia. Ela engolia a ofensa calada embora, no íntimo, fervesse de indignação. A coitada não sabia o que responder, afinal, a culpa era sua, pois teimava em manter aquele relacionamento ridículo, relutando em enxergar a verdade.

Todo o tempo ela sabia onde estava seu homem quando dizia fazer hora extra na repartição, isso mesmo, com a secretária a quem ele não cansava de elogiar: era a mais bonita, a mais perfumada, a espirituosa, sabia se vestir, a isso e aquilo e o que é pior, dez anos mais jovem que Das Dores.

Apesar disso, quando ele demorava a chegar de seus encontros furtivos, lá estava Das Dores esperando o safado grudada à janela, inquieta, rezando pra ele não ser assaltado. Virgem Santa! Ela rogava, a cidade está cada vez mais violenta, cuide de Osvaldinho! E só largava o terço, quando ele abria a porta com um sorriso dissimulado. Nessa hora, muitas vezes, Das Dores se recusou a fazer sexo, revoltada com o fato de estar sendo dividida com "UMAZINHA QUALQUER", ele então segurava o pênis, ainda rígido, e dizia: "Conversando, mulher, LAVOU, TÁ NOVO! Aproveita, você é sortuda de ter um homem assim, disposto a dar uma até de madrugada!". Descontrolada ela ameaçava falar palavrões, chegava a balbuciar um filha da..., e segurar em algum objeto para jogar no debochado, mas se continha, mordia os lábios e apertava os dedos contra a palma da mão, até seus tendões não suportarem a pressão. Das Dores era assim, travada. Filha de um capataz de usina, fora criada para obedecer, unicamente obedecer e trabalhar é claro.

Na pequena lavanderia que possui, há duas quadras do mar, sua rotina é dura, pois na falta de quaisquer dos empregados, é ela quem se encarrega de engomar, tingir e até entregar as roupas dos clientes. Além disso, ao regressar do trabalho, ainda cuida da casa, da cozinha e dos filhos.

Osvaldinho? Ah! Esse é um folgado, considera-se um pobre marido vítima de mulher incompetente e se a trai, a culpa logicamente é dela, que não sabe fazer amorzinho do jeito que ele gosta, na hora que ele quer e com a freqüência necessária à satisfação de sua libido exacerbada. Afinal, ele é o sonho dourado de toda e qualquer fêmea carente, realização suprema da mulher suburbana. Nele se concentra tudo que um homem gostaria de ter: jovialidade, beleza, inteligência, sensualidade, virilidade, coragem (sempre com um trinta e oito na cintura) e acima de tudo, generosidade. Deus, como é generoso! Não larga a amante, porque a diaba cada vez que ele fala nisso, se desmancha em lágrimas e ameaça sair por aí dando pra tudo que é peão! Ele, treme nas bases, pois sabe que ela quando bebe além da conta fica desavergonhada. Por outro lado, não larga a mulher porque a infeliz não saberia viver longe dele, seu protetor, seu guia, o cérebro, o eixo de seu equilíbrio mental, o sustentáculo de sua moral. Dela não tem nenhum receio. Pudera, quem se interessaria por uma mulherzinha medíocre, que o ameaça vez por outra com o olho da rua? Ela é cão que só ladra, carta fora do baralho, no máximo, a mãe de seus filhos machos, a administradora do lar, muito embora, na realidade, Das Dores seja muito mais isso, é quem bota em casa todo lucro do seu pequeno negócio e não pode escolher nem a cor do sofá.

Assim, o Antonio Banderas do Agreste, sucumbe ao chamego da amante fiel, sempre solícita, pronta a qualquer sacrifício, como comer buchadinha de bode, passear de jangada além dos arrecifes, rolar na cama de hotéis sem estrelas e brincar o carnaval em Olinda, onde todo ano ele saí nas "Virgens", vestido de odalisca. Aliás, Osvaldinho diz que macho que é macho pode se fantasiar até de bailarina que continua atiçando as raparigas.

Bem, diz o ditado que não há mal que sempre dure e dor que nunca se acabe, assim, um belo dia, farta das grosserias, das comparações e da traição descarada, Das Dores resolveu mudar e procurar o tal homem, que segundo Osvaldinho não existia, porque homem nenhum suportaria aquela coisa sem graça, chata, encrenqueira, na qual se transformou a mulher com quem um dia, ele, ainda ingênuo, havia se casado. Estas alegações ele repetia cada vez que ela lhe cobrava fidelidade.

A coisa desandou quando, revirando os bolsos do marido infiel, coisa que fazia com freqüência para descobrir vestígios da traição e sofrer ainda mais, Das Dores encontrou um comprimidinho azul. Uma luz acendeu em sua cabecinha. Ela já ouvira falar de um tal "Viagra" que levantava até pênis de defunto fresco. Obviamente, o cabra macho estava se valendo do tal comprimido para não fazer feio com a "cachorra" (ultimamente ela só a tratava assim, desde que a onda do Funk colocou a palavra em moda). Brochar com a mulher é natural, mas com a amante fogosa, cheia de volúpia, seria humilhante demais, ele tinha que se prevenir, concluiu Das Dores, já arquitetando um plano mirabolante: e se ela conseguisse ressuscitar a chama da paixão em algum homem desacreditado de si mesmo, seria a glória, certamente o tal homem ficaria eternamente grato à sua redentora.

Imediatamente se lembrou do Manoel português, um viúvo já na casa dos sessenta, mas ainda bonitão, dono de uma farta cabeleira branca e da maior padaria do bairro, que na realidade só tinha um defeito, era praticamente surdo e utilizava um aparelho, discretamente colocado no ouvido esquerdo.

Desde que Maria dos Prazeres, sua funcionária predileta, o trocara por um lutador de Box, ele andava cabisbaixo. O tal Manoel sempre nutrira uma admiração especial por Das Dores, que era mulher de curvas generosas, braços fortes, ganhos no uso do ferro a carvão, e de pernas bem torneadas, graças ao sobe-desce nas ladeiras da Sé.

Ela e Manoel já tinham alguma intimidade, assim o convidou a tomar um caldo verde e botou seu plano em ação. Primeiro dissolveu o tal "Viagra", comprimidinho caro, mas que vendia como água, no suco de caju do português. O resto ficou por conta, de seu novo penteado, da roupa sensual de seda vermelha, da liga negra aparecendo, a cada cruzada de pernas, e do perfume sutil, mas delicioso, que usava. Não deu outra, logo o português estava pronto e ela só fez dar "um cheiro" no seu pescoço para que ele avançasse descontroladamente sobre suas tetas, que antes já ameaçavam pular do decote.

Daí pra frente, o português não sabia como agradá-la: era bolo-de-rolo, pé-de-moleque, ligas, meias finas coloridas e muito, muito perfume francês legítimo. O gajo estava cada vez mais chegado e seu marido não desconfiava de nada, porque nunca estava presente na hora das visitas. A tal "cachorra" era muito exigente, não lhe dava folga.

Um belo dia, Das Dores resolveu ousar, isso é, trair Osvaldinho quando ele estivesse em casa, dando-lhe o troco com juros e correção monetária. Assim, preparou seu prato favorito, bode guisado com muita farofa, colocou no gelo uns dois litros de caipirinha e o último CD de Reginaldo Rossi pra tocar. Não deu outra, Osvaldinho se fartou de comer e beber, capotando, finalmente, na rede da varanda do quarto, completamente embriagado, mas feliz.

Das Dores então, preparou o ritual: "Viagra" no suco, "trinta e oito" descarregado e uma corda amarrando os pés do marido à rede. Ela tinha que se garantir.

Em seguida chegou o português ressabiado. Das Dores logo o deixou à vontade dizendo que as crianças estavam na casa da mãe e o marido só chegaria à noite. Ela havia saído do banho, tinha os cabelos molhados e vestia apenas um blusão branco colado ao corpo. Serviu-lhe o suco, arrumou as almofadas da sala e se deitou sobre elas, displicente, deixando entrever uma parte de suas nádegas. Manoel se aproximou e sem mais delongas a envolveu num abraço. Ela, então, prevenida, passou a língua na orelha dele, arrancando o aparelhinho de surdez. O que se sucedeu foram momentos de puro prazer, entrecortados por gritinhos de Das Dores e pela respiração ofegante do português.

Osvaldinho chegou a abrir os olhos por causa do barulho. Ameaçou se levantar, não pode, gritou por Das Dores: Mulher! Que barulho esquisito é esse?. Ela da sala o tranqüilizou: Nada homem, é a televisão, pode continuar dormindo. No final da festa, Das Dores ainda inflou seu ego, ao constatar que o copo de suco estava intacto.

A verdade é que depois desse dia seu marido anda desconfiado, fica nos cantos ouvindo seus telefonemas. Dissimulado, vez por outra, dá um pulinho no seu trabalho e revira suas gavetas. Ela finge não notar, Osvaldinho é muito seguro de si.

Todos são coniventes com aquela paixão madura, ninguém abre a boca. Afinal seu Manuel faz o melhor pão do bairro e a lavanderia de Das Dores tem o melhor preço. Entretanto, Oswaldinho, sempre que vai à padaria, sente um clima diferente no ar e, num gesto involuntário, passa as mãos na cabeça, como se sentisse um desconforto qualquer.

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