FOI
ASSIM
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Luís
Augusto Marcelino
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Foi assim, rápido e rasteiro: eu a vi intacta, olhando pra mim, como quem não quer nada. Insinuando um sorriso. Encarando-me de frente, impassível, sem falar uma só palavra. Apenas o meio-sorriso e o olhar fixo, até eu me tocar de que não passava de uma imagem. Uma imagem linda, pra dizer a verdade. Tão linda que eu nem podia precisar se ela existia de verdade ou se não passava de uma montagem de estúdio. Meus amigos estranharam no começo, mas terminaram não dando bola. Enquanto conversávamos eu desviava o olhar para aquela mulher e a imaginava se aproximando, perguntando meu nome, pedindo meu telefone. Não, era bela e enigmática demais para cometer uma sandice dessas... Jamais poderia se entusiasmar com um sujeito como eu, carente de beleza física, um anônimo na turma do ginásio, a materialização do fracasso no trabalho. Era demais querer que aquela deusa se impressionasse comigo. Mas nossos olhares não pararam de se encontrar durante todo o resto daquela noite. Fui embora às dez horas, meio desconsolado, dando passos cautelosos e trazendo comigo a lembrança da moça do pôster de bar. Pode parecer loucura. Meninice. Falta de sensibilidade. Qualquer coisa. Apaixonar-se por uma garota de pôster não é mesmo algo que se possa compreender com facilidade. Uma mulher sem nome, sem fala, sem ouvidos, desprovida de qualquer sentido. Apenas um rosto esculpido artesanalmente e os detalhes femininos perfeitos. Boca, olhos, braços, seios, pernas. Tudo. Tudo perfeito. Faltava-lhe um nome e eu comecei a chamá-la de Musa. Onde vai, Roberto? Vou encontrar minha musa. Então eu chegava ao balcão do Giramundo, pedia uma bebida forte, sentava num dos bancos altos e ficava de olhos fixos na Musa. Musa muda. Mas minha musa. Noite dessas exagerei na bebida e me debrucei sobre o balcão. O teto, o chão, as paredes pareciam querer me espremer sem piedade. E não tinha forças para levantar. Pouco tempo depois, senti um perfume diferente, doce, entrar pelas minhas narinas. Também ouvi uma voz feminina pedir um Campari. "Com gelo, por favor!..." E os pêlos dos meus braços curtos se arrepiaram sem razão aparente. Sentia o mundo girar. O perfume da mulher que chegara ao balcão me deixara ainda mais tonto. Levantei o rosto para reclamar. Ela olhava para o lado direito do balcão, de costas para mim, onde ficava a pista de dança. Tinha os cabelos negros, cacheados na ponta, brilhosos. O decote do vestido vermelho revelava um pedaço do ombro e das costas. Ela se virou para mim e exibiu o mesmo sorrido da Musa. - Mas você não é... - Que bom que me reconheceu! Desde que tingi o cabelo, pouca gente percebe quem sou. A bebedeira pareceu ser arrastada por um furacão. Desejei ir ao banheiro e molhar a cara, mas não podia deixá-la ali, sozinha, a mercê das dezenas de homens que a consumiam com o olhar. E, afinal, ela tinha sido simpática comigo. Mais simpática do que em nossos encontros secretos e unilaterais nos bares em que seu cartaz ficava pendurado. Estendeu-me a mão. "Letícia, muito prazer!" Sua mão era fina e úmida. De uma maciez que até então não conhecera. Outra vez sorriu e até hoje não consigo imaginar qual teria sido minha expressão. Provavelmente de incredulidade. Ali, frente a frente, a mulher que me tirara muitas noites de sono. Que rompera minha paz de espírito, que me levara para a cama, adoecido, fraco, impotente, por causa da falta de apetite biológico e espiritual. - É modelo? - Sim. Modelo. Estou só começando. Vim de Santa Catarina. - Ah... Santa Catarina. Pode esperar um minuto? Um minutinho, apenas... prometo que volto logo! Tenho de ir ao toalete. - Guardo seu lugar... - Jura? - Juro. - Mais um Campari para a moça, por favor! Digo, para a Letícia. É rápido, Letícia. Rapidíssimo... Mesmo correndo o risco, tinha que desaguar o monte de bebida que havia consumido. Pior seria fazer as coisas ali mesmo, em frente à Musa. Corri em direção ao toalete e um bêbado já esperava na porta. "O cara tá aí há mais de uma hora, mano!..." - ele reclamou. Não daria para esperar. Resolvi bater na porta do banheiro feminino. Ninguém. Entrei. Fiz o que tinha que fazer o mais depressa que pude e corri para o espelho. Lavei o rosto e umedeci meus cabelos (minha mãe vivia me dizendo que meus cabelos longos, quando molhados, eram irresistíveis). Conferi a camisa por dentro da calça e o zíper fechado. Era o momento de voltar. De chegar lá e ser mais ousado. De chamá-la para dançar, quem sabe. Ou de tentar impressionar com um jeito mais seguro, mais romântico. Letícia parecia gostar de homens românticos. Três minutos contados no relógio. Certamente ela ainda estaria me esperando, tomando seu vermute. A porta emperrou. Não, meu Deus! - sussurrei. Nova tentativa. Pior: a maçaneta ficou em minhas mãos. "Ei, cara! - chamei pelo bêbado. Abre essa porta pra mim, por favor!" Acho que ele não estava mais lá. Tive de aguardar uma moçoila sentir vontade de fazer pipi para ser libertado. Olhei para o balcão. Letícia desaparecera. Nem na pista de dança, nem em qualquer outro lugar do bar. Perguntei por ela para o balconista que estava nos servindo. Se mandou. E deixou metade da dose que você pagou. Desde então comecei a freqüentar o Giramundo diariamente, na esperança de reencontrá-la. Tardes, noites, madrugadas. Tornou-se uma obsessão. Procurei a agência responsável pela foto do pôster. Ninguém sabia mais seu paradeiro. Achavam que tinha voltado para o Sul. Dia após dia, e a mesma rotina. Aumentei as doses e a freqüência do álcool. Praticamente não comia mais nada. Larguei o emprego e fui sobrevivendo com algumas poucas economias. Minha mãe estava para encomendar o velório, de tão magro que fiquei. Pedrão, o balconista do Giramundo, até virou meu amigo. Um dia resolvi lhe contar minha história. Ele ouviu cada uma das minhas lamúrias, atento, apreensivo. Até resolver me revelar. - Sabe o que é, Roberto... naquela noite, pensei que não fosse importante, a moça do vestido vermelho fez um comentário... - Fala, Pedrão, fala! Pelo amor de Deus, homem! - Viu só em que banheiro o cara entrou? Eu, hein! Tô fora!... |
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