A
CARTOMANTE
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Fred
Leal
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Foi com medo que Cássia entrou na tenda da cartomante. A mulher de quase quarenta anos tremia e suava frio, mas não podia mais resistir à curiosidade. Precisava saber de seu marido. Jonas fora casado com Cássia por quase dez anos. Numa tarde de sábado, saiu para comprar cigarros e nunca mais voltou. As primeiras semanas foram desesperadoras. "Abandono do lar", diziam os policiais. Os anos se passaram, mas a aflição da mulher nunca se esvaiu. As noites ainda lhe reservavam lágrimas sobre as já amarelas fotos do casamento. Os dias eram ocupados por cartazes, anúncios, buscas na internet... Cássia nunca mais foi a mesma. "Eu só preciso saber o que aconteceu, se ele morreu, se ele me deixou..." ela sempre dizia. Os amigos retrucavam, tentando animá-la: "Dez anos, Cássia... Nesse meio tempo ele já deve ter morrido de câncer no pulmão! Deixa pra lá!" Mas ela não conseguia. E começava a achar que nunca conseguiria. No décimo aniversário de seu desaparecimento, no entanto, a tenda da cartomante, a mesma onde ela agora entrava, se instalara na esquina do quarteirão. No mesmo lugar onde ficava o bar que seu marido freqüentava - e comprava cigarros. Era um sinal, e ela sabia disso. Cássia respirou fundo e entrou. Lá de dentro, uma voz fraca, quase um sussurro, dizia "aproxime-se". Cássia tremeu, e a voz continuou: "Não tenha medo, Cássia. Eu posso lhe ajudar." Cássia parou. Ela havia dito seu nome. Pensou em correr de lá, e pensou em Jonas. E entrou. A tenda era de um azul muito escuro. Sentada atrás da longa mesa de madeira, estava a cartomante. Cássia não se demorou à perguntar: - Como você sabe meu nome? - Sei tudo sobre você, Cássia. E ela realmente sabia. Começaram a conversar, e a cartomante discorreu sobre a infância da mulher, seu casamento, e parou no sumiço de Jonas. Cássia emudeceu. A cartomante lhe deu um maço de cartas, e ela puxou uma delas. E a mulher voltou a falar. - Esta carta representa seu presente. Seu presente está estagnado. Sua vida parou. Cássia começou a chorar. Chorava copiosamente e, entre soluços, explicava a falta que seu marido fazia. A cartomante ouvia, como uma terapeuta, praticamente. Quando a mulher começou a se acalmar, a psíquica a deitou em um divã de veludo também azul, e pediu licença. Disse: "Deite. Deite e descanse, enquanto vou comprar cigarros." Ela já ia saindo, quando Cássia interviu: "Jonas? Jonas, é você?" Cássia levantou correndo e agarrou o marido por trás. Abriu o manto que o cobria e encontrou o inconfundível sinal de nascença que seu peito abrigava. Cássia chorava novamente, e gritava: - Por quê me deixou, Jonas? Por quê? Por quê? Jonas tirava a peruca atrapalhadamente e tentava confortar a ex-esposa. - Desculpe, Cássia. Não podia continuar... A vida... Eu queria mais... - Mais? Mais? Você queria mais? Você queria mais cigarros! Cigarros! Os olhos de Cássia injetaram-se de vermelho sangue, e sua mão nervosamente alcançou o bolso da fantasia do marido. De lá, ela tirou um maço de cigarros e um isqueiro. Continuava a gritar, e acendia os cigarros, e os atirava contra o homem. - Isso que você queria! Cigarros! Cigarros! O desespero incendiário começou a tomar conta de Cássia. Ela acendia tudo que via pela frente. As arestas da tenda se encheram de fogo rapidamente. O sofá, suas vestes, tudo pegava fogo. Jonas tentava se livrar da psicótica esposa, mas ela o agarrava, e incendiava seus longos cabelos, suas roupas. O fogo já tomava conta da tenda de plástico. Em meio à fumaça, ele desabou, sufocado. Jonas era asmático. Com ele, Cássia foi ao chão. E morreram ali mesmo. Carbonizados. Abraçados. |
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