Tema 026 - MORRER DE AMOR
BIOGRAFIA
MEIO AMARGO
Beto Muniz
O homem vigia seus sentimentos como se estivesse em caça. Perscruta o horizonte, o verticante e perde o prumo, o rumo, a hora e nem se lembra que deve ir embora. Sair de dentro de si mesmo, de dentro dessa espera pelo amor que não marcou hora, nem está adestrado a alimentar-se nessa ceva. Dentro dele, atiçados, estão os cães da angústia. Eles uivam á lua imaginária que o homem contempla no cenário que compõe sua insônia.

É pecado ousar amar tanto assim como que pedindo a solidão que vá embora? (Amar deveria ser o oitavo pecado capital!)

O homem implora. Pede a solidão que se vá, que o deixe só. Enfim, ele sublima ao sentimento e se ilude numa transmutação. De caçador na espreita, sem perceber, se transforma em caça abatida pela paixão. Esse homem agoniza. Mutação encetada ele é presa e experimenta prazeres uma noite inteira... O homem agora canta, dança, brinda, arqueja, sacoleja em zigue-zagues e rodopios, nem assim consegue se desprender de sua nova condição. Já na manhã seguinte está envolto pelo medo. O homem é um cativo, um brinquedo. Apenas um fio o mantém atado a sua origem de predador. E esse único fio é seu maior algoz. Breve o fio se romperá, o predador estará morto... O instinto empurra o homem rumo aos contornos de horizontes, ao verticante sem prumo, sem rumo e sem fim. Transtornado o homem empreende fuga. Ele galopa numa fuga covarde, já não é nem sombra daquele que, antes, caçava. O homem corre. Clama por socorro! Ele termina por tombar, e se arrasta. Rasteja até aninhar-se no primeiro colo que se oferece por abrigo. Embalado nesses braços sem origem - que ele confunde com colo seguro, o homem enfim canta suas dores, suas fugas, seu medo e suas feridas abertas. A mulher, com sua estranha compreensão, afaga seus cabelos, cura suas feridas e aplaca seus medos.

Ela entende dessas guerras. Também já foi caçadora e depois caça. Cães ainda ladram, em seu sonho insone, os seus pecados e suas saudades. Ela entende dessas angústias por isso sorri, destilando doçuras em meio ao fel.
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