- 25ª atualização -
TEMA PROPOSTO
PECADOS CAPITAIS
INSPIRADO EM RACHEL DE QUEIROZ


OS SETE PECADOS CAPITAIS

Hoje em dia não se fala muito neles. Mas, no meu tempo de colégio, eram assunto importante nas aulas de catecismo. A gente deveria nomeá-los na ordem devida, cada um com suas definições. Creio que ainda os recordo na mesma ordem, e com as suas peculiaridades aliviadas, para que não se ferissem os castos ouvidos das mocinhas que éramos nós. Eram, segundo relembro, anunciados na seguinte ordem: soberba, avareza, luxúria, ira, gula, inveja e preguiça. Realmente, parece que representam a soma total da iniqüidade humana. E as Irmãs, nossas mestras, passavam rapidamente pelos mais cabeludos e éramos implicitamente proibidas de pedir explicações mais detalhadas. Vamos ver se os recordo todos:

Soberba: é especialmente odiosa para a gente do sertão. Talvez seja melhor chamá-lo de arrogância. Para as pessoas de lá, a arrogância é o pecado que mais nos fere, com sua implícita e natural significação. Nós, sertanejos, também chamados de matutos, somos os receptáculos diretos dos desdéns dos pracianos. E procuramos revidar na altura.

Avareza: a palavra diz tudo. E, no caso, o pecado é odioso não só para os do sertão, como para todo mundo. Acontece, além disso, que sertanejo é por natureza um pródigo. Avareza é, para nós de lá, o vício mais repugnante.

Luxúria: essa era palavra que as Irmãs passavam por alto. Luxúria, para as nossas mestras, era antes de tudo um palavrão. Não fazia referência a sexo, era palavra e assunto dentro do que chamávamos o "jargão da casa".

Desconfiávamos do que era, a verdade, tínhamos muito pouca informação sobre o assunto.

Ira: esse, para nós era também tema aberto. Não que nos permitissem demonstrações de raiva. E quando se fala nos santos, pode haver a santa ira.

Era feio, grosseiro, mas não pecaminoso no sentido dos outros pecados. E, como se disse, a gente ouvia falar na "santa ira dos justos".

Gula: disso sofríamos permanentemente. Comida de internato sempre é, para quem a recorda, sem gosto e sem tempero. E vive-se sonhando com as comidinhas que nos esperam em casa. O tema era delicado, vivíamos praticamente em estado de gula, pelo motivo explicado. Não fossem as merendas que nos mandavam, de casa, a nossa certeza era de que morreríamos à míngua.

Inveja: disso entendíamos; era pecado peculiar. Quem o sentia não confessava, quem era objeto dele precisava ser muito tolconfessar. Sim, entendíamos. Sabíamos quem tinha inveja de quem e dos motivos do pecado. As ricas não nos seduziam muito. O objeto da nossa inveja eram as bonitas, de pele lisa (vivíamos no período das espinhas no rosto) e, pois, pele boa era motivo de inveja. Pode-se dizer, pois, que a inveja é o mal dos jovens. Os jovens vivem em estado de carência. Esperam por tudo, digamos que vivem no futuro. Sua inveja não é malévola, é antes o ardente desejo de participar.

Preguiça: o mais amável dos pecados - não faz mal diretamente a ninguém, e é menos comum, entre jovens, do que outro pecado qualquer. E esse pecado logo nos remete - a quem? Claro, a Macunaíma. "Aí, que preguiça." Não parece um vício, antes um estado de espírito; os mais velhos não entendem por que eles sofrem a compulsão do trabalho, todos se sentem na obrigação de ser útil.

Nem que seja só uma aparência, mas de que serveriam as aparências, senão para simular as realidades?

Quem vê esta lista, arrisca-se a cair no engano de que é fácil não pecar; e seria fácil mesmo, não fosse esta nossa natureza que não sabe agradecer os dons que recebe e só dá valor, como dizia Churchill, ao que nos custa "sangue, suor e lágrimas"

 

(O Estado de São Paulo, 03.02.2001)