Tema 025 - OS PECADOS CAPITAIS
BIOGRAFIA
BICHO DE GOIABA
May Parreira e Ferreira

Igual a ela, nunca vi nem ouvi falar. E se alguém me tivesse contado, eu diria que é ficção, afinal à literatura tudo é permitido. Fato é que presenciei tudo e aqui vão minhas antecipadas desculpas aos incrédulos.

Estava em férias, ilha do litoral norte pouco habitada. A propriedade, de pescadores, antigos ilhéus simpáticos e amigáveis. Uma das filhas do velho era já mulher adulta, redonda, nariz comprido olhos inchados, cabelos sem nenhum tipo de trato ou pente. Era mesmo feia. Pessoal da redondeza falava dela, que a mulher era um poço de maldade, que secava pimenteira com aqueles olhos desorbitados. Ninguém se atrevia a negar-lhe favor. Tinham medo de sua inveja. E de sua voracidade. Desde pequenina, queria de tudo e o que não conseguia comer, guardava. Nunca dividiu nada com os irmãos. Os pais simples e ignorantes aceitavam, Deus quis assim, fazer o quê?

Tempos antes da minha chegada havia se mudado, para o terreno ao lado uma família, casal mais filha moça crescida. Bonita a moça e zelosa da casa. Cuidava também do quintal com mangas, goiabas, carambolas e um grande pé de jambolão. Todos na vila ficavam encantados com a mocinha do pomar.

A feia na janela não gostava da vizinha e achava que ela era uma sonsa, Não sei por que fazem tanto luxo com essa magrela sem graça. Nem são seus cuidados que fazem as frutas bonitas, é a terra que é boa. Mas filha se fosse a terra, nosso pomar também seria assim, disse a mãe aflita. Eu quero é comer goiabas murmurou baixinho a filha.

Numa noite de escuridão na ilha, a feia entrou no pomar, enterrou sal grosso rente ao pé das árvores. Colheu as maiores frutas, muitas, levou-as para o quarto, e durante dias ficou lá trancada. Ela e as goiabas. O pomar foi secando, o jambolão fino e arcado era mais uma oliveira na caatinga, ninguém entendendo a razão, a mocinha desesperada e a feia engordando dia a dia. E mais secavam as plantas e mais a feia ultrapassava limites, Quem mandou comer tanto, o sussurro da vila.

Irmãos se envergonhavam, pais não sabiam o que fazer com a filha, em nenhum lugar ela sentava, cadeiras nem pensar, sem roupas que lhe servissem. Tem o tanque grande lá de fora, talvez ela pudesse ficar mais bem acomodada, disse a mãe aflita.

A mocinha bonita, a cada dia que passava, mais trigueira e graciosa. Foi então que aconteceu.

No dia da festa da Padroeira da vila, em meio aos festejos, fogos e bebedeiras, ouvimos um grande estrondo vindo da casa do pescador, Foi nos fundos, corre, corre acudir que a filha explodiu.

A feia virada pelo avesso. O tanque, antes usado para limpeza dos peixes, agora repleto de bichos e restos de goiaba. Os vermes saíam de dentro do que foi corpo um dia, se misturando e crescendo numa estranha lavagem.

Fui embora na mesma noite mal fazendo as malas, não quero e não vou voltar. Ontem recebi carta do Neco da farmácia contando que o pomar da vizinha começa a dar mostras de recuperação e os velhos resolveram fazer o que em vida a filha jamais fizera. Estão distribuindo lavagem gratuitamente para todos os que criam porcos na ilha.

Tenho um tanto a mais para contar, mas com esse começo de inverno, dá uma preguiça...

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