O
BURRO, O CAVALO, A SOBERBA
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Mairy
Sarmanho
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Era uma vez um burro. E, mesmo sendo chamado de burro, era inteligente. Tão inteligente que se recusava a levar mais que dez quilos por vez em seu lombo. Quando o dono insistia, o burro o derrubava. E assim o burro levava a vida numa boa. Mas como nem tudo é perfeito, um dia ia o burro caminhando pela estrada, quando encontrou um cavalo. - Olá, senhor cavalo! - Cumprimentou o burro, muito educado. - Olá, senhor burro! - Respondeu o cavalo. - Que burrices andas fazendo por aí? - Eu? Nenhuma, acredito... Vivo a vida como dá. Trabalho o necessário, carrego o suficiente, ganho o possível para sobreviver. Nem mais, nem menos. Apenas o que Deus me dá... - Explicou o burro, de bem com a vida. - E o senhor, o que andas fazendo? Soltando muitas patadas? - Eu? Todas que posso! - Gabou-se o cavalo. - Dei um coice no meu dono, na mulher dele, no padeiro, no leiteiro, no cachorro do vizinho e no vizinho do cachorro, na porca e na filha da dona Fuinha... - Por que isso, senhor cavalo? - Indagou o burro, espantado. - Porque isso me faz sentir melhor. - Confessou o cavalo, relinchando. - Eu detesto que me incomodem, seja lá porque for... - E o trabalho, como vai? - O burro, muito inteligente, resolveu desviar o assunto. - Que trabalho, que nada! - Reclamou o cavalo, irritado. - Me obrigam a correr feito um louco uma vez por mês em troca de uma raçãozinha barata e um jóquei de terceira linha... - Mas o senhor come muito bem, segundo ouvi dizer! - Contestou o burro. - É muito bem tratado por um jóquei que já conquistou inúmeros prêmios... - Um perfeito imbecil... - Retrucou o cavalo. - Ainda não ganhamos nada juntos! - Será que o senhor está se esforçando o suficiente? - Perguntou o burro. - Temos sempre de fazer o necessário para sobreviver... - Esforçando... E quem quer se esforçar? - Ironizou o cavalo. - Apenas os burros fazem isso... - Mas, senhor cavalo... - Tornou o burro, preocupado. - E se eles resolverem que o senhor não serve para nada? Podem matá-lo ou vendê-lo para um carroceiro qualquer... Seria um fim terrível para alguém tão acostumado ao luxo... - Cale a boca, burro! - Gritou o cavalo. - Quem sabe de mim sou eu.. - Tudo bem, senhor cavalo... - Disse o burro, magoado. - Não está mais aqui quem falou... O cavalo deu umas patadas no burro e afastou-se à galope, furioso... A vida continuou. O burro continuou carregando o suficiente, trabalhando o suficiente e comendo o suficiente para sobreviver. Um dia, passava ele com seu dono por um açougue, quando viu uma carcaça de cavalo pendurada num gancho. Reconheceu imediatamente seu amigo. Sacudiu a cabeça, tristemente e partiu, a passos lentos, pensando que as coisas suficientes são realmente necessárias... |
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