ESQUECI
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Viviane
Alberto
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Eu disse que te esqueceria, não disse? Então, estou escrevendo justamente por isso, pra te dizer que já esqueci. Sei que é difícil pra você, ler isso assim, com todas as letras, vogais inclusive, mas é necessário que você saiba que eu realmente esqueci. Não penso mais. Nem por um momento, nem mesmo por um instante tenho sentido a sua falta. E também não me lembro mais da sua boca. Não mesmo. E daquele seu beijo que eu adorava porque achava macio. E olha que você tinha uma boca boa de beijar, porque eu não tenho uma boca pequena, então não me dou bem com as bocas pequenas e a sua não era pequena. Tinha mesmo um tamanho certo para a minha, assim, o suficiente pra beijar macio. Mas eu não preciso explicar isso porque sei que você sabe como é, e, como já disse, eu esqueci. Não penso mais na sua voz também. Aliás, quando o telefone toca é bom saber que não é você. E que eu não vou ficar ouvindo você falar, daquele jeito que parece que está sempre falando sacanagem no ouvido da gente. Eu pergunto as horas e parece que sua resposta é uma obscenidade, quando na verdade você diz: seis e dez. Mas é sua voz que contribui pra isso, eu sei. Um tantinho rouca, você fala manso. Quer dizer, eu acho que fala, porque não me lembro bem. Outro dia, vi sua mão numa fotografia. E os braços e seu rosto, enfim, sim, era uma foto sua. Mas eu nem olhei muito, não. Olhei assim e fiquei pensando... E me surpreendi ao perceber que não me lembrava das suas mãos. Em como elas eram mais macias do que as minhas e da maneira como eu costumava segurá-las enquanto esperávamos os sinais abrirem. E é bom mesmo que você saiba que já retirei completamente da minha memória os momentos que passamos juntos. Juntos, bem juntos. E das coisas que eu te disse, sobre como era bom estar com você, das loucuras que eu seria capaz de cometer, essas coisas. E, de repente, percebi que só eu tinha te dito coisas. Se tivesse notado isso antes, não precisaria estar te esquecendo agora, isso que dá não prestar atenção. Mas também, ficava difícil prestar atenção em alguma coisa que não fosse você ali, do meu lado. E queria que você soubesse que aquelas outras recordações, eu e você, o sol, a lua, a chuva, meu vestido, sua camisa, o tapete, a escada, a música, os prédios, tudo isso já não faz parte de mim e são coisas que eu não preciso afastar da minha cabeça quando o trânsito pára. É finito, passado, esqueci. E esse olhar melancólico também vai passar, assim como essa insistência em olhar para o passado tentando resgatar alguém que não quis vir para o presente. É só uma questão de esquecer. |
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