Tema 024 - A PERFEITA SOLIDÃO
BIOGRAFIA
PRESENTES
Viviane Alberto

Porta-jóias e caixinhas de música. Dezenas deles, desde que completei quinze anos. Deve ser o presente ideal pra mocinhas, imagino. Todo novembro traz consigo mais meia dúzia de novas peças, que eu guardo. E hoje observo com mais atenção.

Deve haver algum motivo pra que as pessoas me presenteiem assim. E deve ser um bom motivo, porque a coleção já está bem grande.

Todos os tamanhos e materiais. Os porta-jóias são tão diferentes entre si... Os primeiros que ganhei são menores. Muito justo, penso eu. Quem me deu pensou nas pulseirinhas de contas e anéis de plástico que vinham em caixinhas de doce.

Depois, aumentaram um pouquinho de tamanho e foram mudando de forma. Enquanto os primeiros eram reproduções de gatinhos, corujas e bichinhos mil, os outros foram chegando em formas geométricas. Alguns com flores e pequenos anjos (ou cupidos, nunca sei a diferença. Todos são peladinhos e com asas...). Têm uma certa auto-afirmação pré-adolescente. Feitos para guardar anéis de formatura (falsos), gargantilhas de ouro muito finas, com delicados pingentes com formato de corações de zircônia cúbica. Um ou outro crucifixo envelhecido.

Já os mais recentes são, com certeza, meu visto de entrada para a vida adulta. Pesados, confeccionados em ferro (fundido?) e forrados com veludo. Uns arabescos e rococós que não combinam nadinha com meus colares de pedrisco, tão hippongos.

Claro que tenho um de acrílico também, modernoso. É na transparência gelatinosa de suas gavetas que eu vejo minha água-marinha preferida, adornando o colarzinho de couro trançado.

As caixinhas de música não mudaram muito com o tempo. E isso eu até entendo. Pequenas ou grandes, a função delas é uma só, seja aos sete ou setenta anos: transmitir delicadeza.

Não é música que você dá, quando presenteia com uma caixinha. Se fosse, escolheria um CD. Ou enviaria, por e-mail, um arquivo mp3. Na caixinha você manda um momento mágico, um hiato de melodia enjoadinha mas doce, em meio ao burburinho cotidiano.

Talvez essa seja a única forma tangível de doar delicadeza. Uma bailarina deslizando sem pressa sobre o espelho. Um balé que nem existe mais. Mas ali sempre se pode dar mais corda, até cansar. 

Novembro está longe ainda e eu precisava muito ganhar umas coisas, mesmo fora de data. Mas não queria mais os porta-jóias nem as caixinhas de música. Ando com uma urgência que está me sufocando.

Preciso das jóias em si. Não aquelas do tipo que eu possa penhorar. As que eu  quero não tem  nenhum valor comercial. E as que eu tinha estão sendo roubadas de mim.

Quero minha tranqüilidade, meus amigos de volta. Quero voltar a dormir. E a cantar.

Entendam que os muros que eu mostrei são de isopor e eles quebram. Que minha juventude não me coloca acima da dor.

Eu não sou  assim, tão forte. Eu não agüento tudo sozinha, todas as verdades que querem me dizer.

Me enganem, mintam pra mim.

Perdi minha máscara e a capa de super. Sejam sutis, por favor. Não pisem como elefantes nas minhas flores de papel.

E  agora esse ataque tão fora de hora... É que a gente perde tanto e tão rápido que precisa se agarrar de repente naquilo que te dá uma chance, qualquer chance, de respirar, tomar fôlego. Dar um impulso e se lançar de novo, no vazio, no desconhecido que é o minuto seguinte.

Dar a cara pra vida bater fica mais fácil se a gente carregar as coisas boas que juntou pelo caminho. Presentes a gente até pode perder, mas precisa conservar os laços.

O que importa é a proteção da caixa, a música a gente recupera aos poucos. Depois.

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