Tema 024 - A PERFEITA SOLIDÃO
BIOGRAFIA
O TEMPO
Viviane Alberto

Eu não sou assim, só estou assim. Existe um clichê que diz que, algumas vezes, o tempo passa mais devagar. Tenho estado fora desse clichê. O tempo tem simplesmente passado. E pra mim ele nunca passa devagar, porque só a sua continuidade, inexorável, já me espanta. Se o tempo fosse colorido, seria cinza. Sempre achei o tempo cinza, metálico como uma lâmina.

Julieta disse para Romeu que, para quem ama, num minuto há muitos dias. Me vejo imersa num amor sem dono, então. Passaram-se meses. Tomada de ternura pelas coisas mais corriqueiras e simples, tenho deixado meus cachorros muito satisfeitos. Pra eles é uma nova fase essa, em que eles podem se deitar sobre meus pés, enquanto me sento no degrau da área, de manhã.

O frio aparece de repente nesse inverno e meu nariz fica muito gelado e dolorido. Daí corro pros degraus, a procura de um restinho de sol. Nem sempre funciona. Às vezes o frio entra, cortante, pelas fendas das roupas. Nesses dias, nem os cachorros agüentam e vão se enrolar em outro lugar, me deixando na mais perfeita solidão.

Mas eu fico lá, gostando de sentir as mãos doloridas, porque há muito tempo não tinha oportunidade de me sentir assim, a mercê do tempo, desprotegida. Em nome de uma suposta segurança, entreguei todo meu ouro e hoje, sinceramente, nem sei pra quem.

Refém de uma rotina avessa a tudo que sonhei (sim, meninas ainda sonham) pra mim. Tudo é muito confuso. É como se o tempo, além de ser a afiada foice de Chronos, fosse veneno. Mas um veneno lento, entorpecente, desses que matam aos pouquinhos. Não agem diretamente nos órgãos, mas nos desejos vitais. Naquilo que a gente chama de essência.

As mudanças chegam sem telegrama. Ninguém nos avisa que a vida subiu no telhado. Quando percebi que elas chegavam, ensaiei um escândalo. Fiz um sapateado bizarro, entre outros números bizarros da vida real. Eu queria que tudo continuasse igual. Ruim, mas igual. Medíocre, mas igual. Só por medo, por não poder calcular o que viria depois. E, veja só, hoje já é depois. Amanhã será depois. E depois e depois. Foi preciso perder o controle pra cair no presente. Ganhar lentes novas e um mapa. Um pouco de coragem também.

Pra olhar ao meu redor e enxergar a verdade. Jogar o lixo fora. Tirar os esqueletos do armário. E da cama.

Rezar, chorar meus mortos.

Mas, urgentemente, olhar para os vivos. E pra mim.

Perceber que, quando a vida fica de cabeça pra baixo, não deixa de ser sua vida. Tudo continua lá, só que de pernas pro ar. É só procurar direitinho, reconhecer. Armar um sorriso e chamar pra dançar.

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