Tema 024 - A PERFEITA SOLIDÃO
BIOGRAFIA
DIA DE TERAPIA
Maurício Cintrão

É noite de lua cheia. Noite para revelar meus lobisomens. Pretensioso, sou mais de um bicho encalacrado. Tenho vários lobisomens no peito. Tenho mais: duendes coloridos, cinderelas, cavaleiros galantes e até garis. Trago um encontro internacional de teatro em mim. Há um circo, também. E um grupo mambembe, um vendedor de remédios milagrosos e um apresentador popular de TV.

Na lua cheia, reservo as loucuras aos lobisomens. Eles ficam irritados quando não os solto. Há alguns meses, comeram três anõezinhos do meu circo e atrapalharam uma apresentação reservada de Hamlet em grego. Foi um transtorno! Ficam mal-criados que só vendo. Uivam durante árias de Aida, aliviam-se em sapatinhos de cristal de desenho animado... já tiveram o desplante de liqüidar com uma Santa Ceia. Não sobrou nem o vinho.

Mas hoje é um dia especial. Dia da perfeita solidão. Depois de longo, longo tempo, vou soltar meus lobisomens para valer. É noite de festa de gala. Voltei à terapia oficialmente. É uma boa noite para voltar a encontrar meus velhos amigos em campo aberto. Pois que uivem à vontade. Aliás, se o engolidor de facas, a mulher barbada e o Mephisto mambembe quiserem participar, tudo bem! Venham os malabaristas, ressurjam os feiticeiros druidas, emirjam os monstros de todos os meus lagos. Magos de todos os meus sonhos, uni-vos!

Engraçado que eu tenha sido acompanhado pela lua cheia a caminho do consultório. Via aquele pandeiro brilhante no céu com um certa desconfiança de que os astros zombavam de mim. A lua foi minha guia até bem perto do endereço combinado. Mas como nem tudo é perfeito, na última hora, virei à direita e depois à direita novamente e a lua ficou às minhas costas, escondida pelos prédios, guardiã e conselheira, insinuante e real.

Hoje é noite de soltar os lobisomens na terapia. Ou aprendemos a conviver pacificamente, ou teremos um festim de atrocidades. Posso me transformar em um deles. Posso virar domador de bichos. Posso até deixar que vivam em seu canto. De repente, resolvo fazer balé, ou comprar uma bicicleta para aprender a andar nela ou vire simplesmente eu mesmo. Quer dizer, não seria simplesmente eu mesmo porque eu não sou nada simples, nada mesmo! Ah, depois eu vejo.

Hoje é noite de lua cheia. Viva os lobisomens! Viva eu, viva tudo, viva o Chico barrigudo!

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