Esvaziou na banheira um vidro enorme da colônia “Pollo” que enfeitava a prateleira. Espremeu toda sua mousse de barbear, todo hidratante, salpicou dúzias de pílulas de vitamina e mergulhou no “mcmix” gigante.

Vestiu as bermudas estampadas do motorista, calçou as havaianas da cozinheira, comeu, com as mãos, floquinhos de chocolate e bebeu coca-cola na garrafa.

No corredor chamou o síndico de ladrão, mostrou o dedo em riste pra câmera do elevador e urinou no espelho.

Disfarçou, pegou um tubo de tinta spray na loja de ferragens, pichando no granito do muro a assinatura estilizada e, sem usar o sinal de pedestre, atravessou correndo a Boa Viagem provocando um acidente.

No calçadão azul, regurgitou seu desjejum, enchendo de nojo lebres e tartarugas que até então transitavam indiferentes, cumprindo o ritual diário da caminhada, santo remédio pra corações doentes.

Rolou na areia como fazia a galera “do Bode”, e como um bife à milanesa se atirou na praia, não sem antes chutar o pau da barraca de cachorro-quente e sujar a toalha da moçoila que se deitava displicente.

Jogou futebol com a turma dos “Rapazes Inocentes”, tomou banho no cano de borracha, comeu peixe frito, ostra no limão e amendoim cozido e frio, regados a três copos duplos de “caipirosca”.

Cansado de tanto sol pegou uma “Besta”, bolinou uma moça e foi parar na Rua Bom Jesus, que cheirava a eucalipto, maquilada de tinta fresca.

No Recife Antigo agarrou pelo braço uma meretriz teimosa, única sobrevivente à “revitalização” do bairro, e com ela, em frente a Malakoff, dançou e contou piada ao som da Banda de Pau e Cordas.

Na farmácia da esquina comprou “Viagra” e rindo sem parar de seu próprio vulto, fez sexo num muro da Rua Apolo.

Do Cais avistou, espetada nos arrecifes, a fálica torre de Brennand iluminada.

Ensandecido, num ímpeto, mergulhou no mar sujo e profundo, nadando como uma nesga na direção da luz difusa, até desaparecer no escuro das águas.

Pela manhã um médico examinou as pupilas do velho imundo e desligou o oxigênio.