Tema 023 - CARPE DIEM
BIOGRAFIA
UM MUNDO PERFEITO
Luís Augusto Marcelino

Para mim estresse sempre foi sinônimo de viadagem, coisa de malandro que quer se safar do trabalho ou passar a perna no amigo do ginásio que lhe convidou para encher laje no sábado de manhã. Porém, depois de um princípio de infarte e das recomendações médicas, passei a levar o tal do estresse a sério.

Dr. Lázaro me recomendou um descanso. "Olha! Tire uns dias para passear. Faça um coisa que liberte sua mente..." - O quê, por exemplo, doutor? Sei lá, qualquer coisa. Gosta de futebol? Vá assistir uma partida! Tá. É isso. Meu time jogaria contra o arquiinimigo na noite seguinte e, decidido, resolvi comprar os ingressos por telefone. "Chegam amanhã, senhor! No mais tardar ao meio-dia". Duas e meia da tarde e eu esperando o famigerado par de ingressos. Convidei meu cunhado, Tadeu, acostumado a assistir brigas de galo velho. Ele já tinha me ligado umas cinco vezes para confirmar o recebimento. Nada, ainda, Tadeu - respondi da última vez, já irritado. Liguei para a agência. Olha, senhorita... blá, blá, blá. Está a caminho, senhor! Como ela podia saber que estava a caminho? Tadeu me explicou que as grandes empresas de entrega expressa agora têm um sistema de rastreamento. Coisa de Primeiro Mundo! Só que o satélite ou o quer que fosse devia estar com defeito, pois o entregador só chegou a minha casa as quatro horas. Ou então o motoqueiro parou num boteco. Fui pagar. Desculpe, senhor. Mas não posso aceitar dinheiro vivo. É norma. E como é que eu pago, então? Cheque. Mas não tenho cheque há anos, desde que me casei, pra falar a verdade. Sinto muito. "Peraí" que eu vou ligar pra lá. Depois de falar com o encarregado, com o sub-gerente e com o gerente, consegui enfim convencê-lo a aceitar o dinheiro. Mas tive de me responsabilizar por um eventual extravio. Liguei para o Tadeu.

- Estão na mão, Tadeu. A que horas eu passo pra te pegar?

- Olha, vamos chegar bem cedo que é para estacionar perto do estádio, compreendeu? E aí dá tempo também de a gente tomar uma cerva... seis e meia eu tô em frente ao prédio, você sabe onde fica, não é?

- É aquele da Alameda Santos?

- Esse mesmo. Da Santos.

Quinze para as seis e eu ainda preso na Dr. Arnaldo, perto das Clínicas. Perdera o retrovisor da direita, há instantes, por culpa de um motoboy apressado que se viu agredido pelo fato de eu estar fechando o corredor. Foi-se embora, e ainda me xingou, o miserável. Na hora marcada eu consegui uma vaga a uns duzentos metros do local onde pegaria o Tadeu. Estacionei. Dez minutos além do horário marcado. Quinze. Vinte. Fdp... Deixei o carro e fui até lá. O quê? Não pode ser... A firma tinha mudado de edíficio. Mais tarde o Tadeu argumentara que não tinha culpa. É na Alameda Santos, isso você não pode negar - justificou. Fui multado. Fdp! Seguimos rumo ao Morumbi. O jogo começaria as nove e quarenta, horário esdrúxulo para uma partida de futebol no meio da semana. Mas, fazer o quê? Tinha que esperar acabar a novela... - Dez real, dotô! - cobrou o flanelinha. Dez paus! Tem que dar se não eles furam o pneu, Oto. Quando não, riscam a lataria. Então paga você, Tadeu! Tô duro, tô duro!

Fazia tempo que eu não ia ao estádio. Até já tinha me esquecido dos rituais, das lambanças, dos gritos de guerra. Tadeu me garantira que o time estava bem armado. Não estava acompanhando o noticiário esportivo ultimamente. Mas meu clube vinha de cinco vitórias consecutivas. Só tinha levado três gols nessas partidas. Encostamos os cotovelos numa barraca que servia pernil na chapa. Dois caprichados, tia! - pediu meu cunhado, para eu pagar, é claro. E duas brahma! Bem geladinha, hein?! Só tem Belco. Dá essa mesmo! - falei, garganta ressecada. Tudo invertido: o pernil esfriou e a cerveja aqueceu. Senti meu estômago remoendo. Cacete, o que estou fazendo aqui, meu Deus? Take easy! Relaxa, mano! Como relaxar se, de cinco em cinco minutos, vinha um vagabundo pedir dois real para completar a grana do ingresso. Dá um gole de cerveja, tio?!

Na hora da revista o guarda interrompeu minha entrada. Com essa camisa não entra! Não sabe que as uniformizadas não podem entrar nos estádios? Não sabia... fazia tanto tempo que não ia ao Morumbi que não lembrava deste detalhe. Esfriava. Voltar ou entrar seminu e passar frio? Tudo bem, tomo uns três conhaques lá dentro e esquento o esqueleto. O quê? Só refrigerante? Desde quando não servem mais bebidas alcóolicas aqui? Estava desatualizado. Havia muito tempo. Amendoim e coca-cola, se quisesse. E os sopros do vento gelado invadiam constantemente as arquibancadas já frias. Dois a zero, fim do primeiro tempo. Já imaginava a gozação no escritório, quando voltasse a trabalhar. "Nunca vai e, quando decide ir, leva no coco." Final do jogo, 4 X 1. Pra eles. Pneu furado na volta. Frio. Carona para o cunhado. Bronca da patroa. Dor de cabeça. Um dia e tanto, por fim. E uma vontade tremenda de mandar o Dr. Lázaro não sei pra onde...

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