A
CARTOMANTE
|
|
Eliana
Pace
|
|
Ela me atende ao telefone com voz lúgubre, pergunta de quem partiu a indicação e consulta a agenda. Tem um horário livre às 15 horas. - Não gosto de atrasos - avisa antes de desligar. Olho o relógio, sei que tenho tempo. Visto uma roupa simples que não identifique minha condição social - jeans, camiseta básica, tênis, capa de chuva, coloco na bolsa o celular, a carteira com dinheiro, o talão de cheques e o cartão de crédito, sabe-se lá se a febre de consumo bate no caminho. Um batom rápido, a chave do carro e vou em busca de meu destino. A região está deserta - afinal, o tempo frio e chuvoso é um convite à sessão da tarde na TV. Na porta do número 72, um Chevette amarelo, muito velho, parece indicar que alguém ainda está em consulta. O casarão decadente, aparentemente abandonado, mais parece um cortiço e fico com um certo receio de descer do carro e entrar. Olho para um lado e para outro, a observar se há alguém suspeito à minha espreita, e me aproximo sorrateiramente da porta. Procuro pela campainha, vejo que não existe, então, junto as mãos e minhas palmas parecem ecoar no quarteirão com estrondo. Ninguém responde. Repito a tentativa e nada. Tento ver nessa falta de resposta um sinal para desistir da idéia mas resisto. Então, encosto a mão na porta e ela se move, abrindo-se para um corredor estreito e deserto. Vou entrando temerosa, sem saber bem o que vou encontrar ali quando, de uma janela do primeiro andar, surge um rosto de mulher. - Estou acabando de atender, espere um minuto. Encosto-me ao muro, procuro na bolsa um cigarro e o isqueiro e tento vencer a ansiedade fumando. Estou apagando o cigarro com o pé quando Madame Nice abre com gesto teatral uma cortina de contas e me convida a entrar. Não há mais ninguém com ela e me pergunto por onde saiu a consulente anterior. É uma mulher de idade indefinida, os cabelos claros nas pontas e escuros na raiz, os lábios murchos com um resto de batom marrom. Ela me aponta uma poltrona sebenta, afasta um gato rajado com os pés e abre o baralho em uma pequena mesa à sua frente. - Nome, estado civil. - Célia, solteira. - Solteira porque quer. O que você andou fazendo da sua vida que não se casou? Gosta da solidão, é? Cuidado, que o tempo vai passando e ninguém fica jovem e bonita prá sempre. Você tem poucas chances, prá ser mais exata, só mais uma. Vejo que ela aguarda uma pergunta minha e arrisco: - É mesmo? E como vai ser esse encontro? - Um homem sedutor e malandro, cheio de lábia, vai lhe enredar de tal modo que quando você acordar, estará perdida... - E isso vai acontecer logo? - Loguinho, loguinho. Mais alguma coisa? Digo que não, que estou satisfeita, e pergunto o preço da consulta, louca de vontade de abandonar aquele pardieiro. Abro a bolsa, evito usar o talão de cheques para não deixar pistas, pago o que devo, que felizmente não é muito, e saio pelo corredor em direção à rua. Ainda chove na cidade e o céu agora escureceu. Fecho a capa para me agasalhar melhor, equilibro a bolsa no ombro e olho para um lado e para o outro, a me certificar de que estou segura. A rua continua deserta, a não ser pelo Chevette amarelo ainda estacionado em frente ao cortiço. Meu carro está no mesmo lugar, graças ao bom Deus. Coloco a chave na porta e quando ela se abre, uma voz, bem junto ao meu pescoço, sussurra: - Calminha, porque toda essa pressa? Vamos nos conhecer um pouco mais. Não tente gritar porque neste deserto ninguém vai aparecer. Passa a bolsa com tudo. A chave do carro também. E não se faça de engraçadinha que o que tenho na mão é uma navalha pronta prá entrar em ação. Não quero acreditar no que ouço mas nem meus ouvidos nem meus olhos me enganam. Estou sendo assaltada e não enxergo uma viva alma a quem possa apelar. O homem insiste nas ameaças e então eu, pernas trêmulas, as lágrimas rolando pelo rosto, entrego a bolsa e a chave do carro, sentindo na coluna uma navalha ameaçadora. - Deixa eu ver o que temos dentro da sua bolsa, quero mais é dinheiro vivo. Por enquanto serve. Ah, seus cheques têm endereço e telefone, qualquer hora baixo na sua casa prá gente namorar um pouco, sabe que você é bem gostosinha? E agora, quietinha. Conte até cem enquanto eu me mando. Continuo de costas e, pelo ronco do meu carro, sei que ele está saindo. Enxugo as lágrimas com as mãos e olho para o cortiço. Vejo, então, de uma das janelas do primeiro andar, tentando se esconder atrás das cortinas, a cartomante que me atendeu há pouco. Com acerto total nas previsões, infelizmente... |
|
Protegido
de acordo com a Lei dos Direitos Autorais - Não reproduza o texto
acima sem a expressa autorização do autor
|