Tema 022 - TEIA, ARANHA, INSETOS
BIOGRAFIA
REPELENTES, MAS ÀS VEZES DIVERTIDOS
Regina Borges

Ano de l977. Morávamos no Estado de Goiás. Meu filho mais velho era um lindo e rechonchudo bebê. Vivia ocupada, envolvida no ritual das fraldas e mamadeiras.

Um dia fui atender a porta e dei de cara com um padre. Fiquei apreensiva... Meu marido fazia constantes viagens como engenheiro residente do Consórcio Rodoviário Municipal, na construção e conserva de estradas... Seria o simpático clérigo, o portador de uma má notícia? Logo ouvi aliviada pelos lábios do sacerdote, que o motivo da sua visita era um convite, ou melhor, uma oportunidade de trabalho. Apresentou-se como diretor da única Escola Particular da cidade. Convidei-o para entrar. Aquiescendo ao convite, sentou-se aliviado da caminhada por aquelas ruas poeirentas e esburacadas. Entrou direto no assunto... Começou dizendo que o lugarejo tinha profundas carências no setor de recursos humanos e que necessitava urgentemente de contratar uma professora de Português. Sua amiga a Sra. Lúcia Helena, que ministra aulas de Inglês em nosso colégio contou-me que a Sra. tem Curso Superior. De fato tenho Curso Superior respondi, mas nada sei de Gramática, pois sou formada em História.

Eu não posso omitir para a Sra. que na cidade, neste momento é a única pessoa disponível para preencher esta vaga. A professora, dona do cargo em questão, passa por problemas de estresse e depressão que se agravaram quando um dos alunos deixou uma perereca pular em seu rosto. Ela, que já estava emocionalmente abalada piorou consideravelmente. Fará um tratamento sonoterápico durante três semanas em Goiânia e sua função será substitui-la em caráter de urgência.

Sempre gostei de desafios.Ali estava uma oportunidade de fazer novas amizades, conhecer novas pessoas, ganhar um dinheirinho.

Lá fui eu, a inexperiente professora tentar ensinar o que sabia muito pouco: Gramática! Mas tudo bem, segundo o diretor os outros professores da área ajudariam com sua experiência e didática da língua.

Incentivada por Lucinha cheguei na Escola.

Primeiro dia de aula... Que suspense! O que me aguardava?

Quando entrei na sala havia mais ou menos uns trinta e cinco alunos. Em seus olhos podia perceber um lampejo de curiosidade.

Caminhei resoluta para a mesa, determinada a fazer boa figura, mas quando fui colocar diários e pasta na mesa, surpresa! Lá estava ela, uma enorme aranha caranguejeira, refestelada sobre a mesa, como se dela fosse dona.

Petrificada de medo, mas mantendo a pose para não demonstrar aversão, medo, horror diante dos adolescentes (quase fiz xixi nas calças), disse incisiva para a turma: Boa Noite! O aluno ou aluna que colocou a sua linda, peluda e inofensiva mascote na minha mesa, venha tira-la já! Não teremos uma aula de História Natural e sim de Português.

Um dos adolescentes com cara de mequetrefe levantou-se cheio de ironia e deboche com um vidro nas mãos e recolheu o aracnídeo para meu sossego e alegria.

Durante toda semana tive que conviver com todo tipo de inseto; besouros, grilos, taturanas, mandruvás. A cada dia eu ficava mais temerosa. E se trouxessem baratas? Tenho pavor de baratas! Seria um escândalo!

Pensei muito durante o final de semana e tomei algumas decisões: Limpar o quartinho dos fundos da minha casa e tirar todas as teias, para perder medo de aranhas. Enfrentar os “aborrecentes” com uma aula bem planejada, divertida, completamente inusitada.

Segunda semana... Acordei disposta... Hoje ganho a guerra pensei.

Hora de ir para o trabalho. Coloquei uma roupa engraçada, preguei uma enorme folha na minha camiseta onde se lia: Eu estou engraçada. Tenho medo de baratas. Nada sei de Português porque sou professora de História.

Quando entrei na sala, os meninos começaram a rir...

Cheguei sorrindo e pedi que toda a classe se organizasse em círculo.

Disse-lhes a verdade sobre minha formação profissional, o motivo de eu ter aceitado as aulas. Expressei minha satisfação em estar ali, naquele momento, deixando claro que gostaria de ser amiga de todos.

Naquela aula conheceríamos três verbos: Ser, Estar, Ter. Faríamos um jogo rápido. Para cada palavra que dissesse o aluno inquirido deveria usar um dos verbos, em qualquer tempo ou modo.

A primeira palavra que me veio à cabeça foi aranha.

O aluno dono da monstruosa caranguejeira disse sem pestanejar:

- Na primeira aula, a professora estava como medo da aranha, mas fingiu que era durona.

A classe quase veio abaixo com tanto alarido. O próximo continuou:

- A aranha era peluda, o outro era grande, tinha muitas patas... O aracnídeo foi descrito verbalmente por todos nos mínimos detalhes, entre cochichos e muito riso.

Depois, levantei-me e fui ao quadro. Escrevi os três verbos na lousa, mas frisei:

- Hoje, a estrela será o verbo Estar.

Um dos alunos pergunta:

- Professora, posso conjugar o verbo estar no modo Goiano? Sim, pode respondi. E ele arrancando aplausos de toda a platéia conjugou o verbo com a maior cara de pau:

Eu aqui
Tu ali
Ele acolá
Nóis dum lado
Vóis do outro
Eles do lado de lá.

Entre teias, aranhas caranguejeiras, e outros insetos, de professora de História fui promovida debaixo de gritos, risos e algazarra à Professora de Português e confesso, adorei a experiência.

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