Tema 022 - TEIA, ARANHA, INSETOS
BIOGRAFIA
A CIGARRINHA E O ZANGÃO
Fernando Zocca

Tomada que estava pela luxúria, a Cigarrinha aproximou-se do Zangão assustado e com aquele ar de quem diz "agora te como", afastou as cadeiras que os separavam na saleta e quando soltava a voz zunindo o convite ao amor, ouviu um ríspido "sente-se aí" do macho trêmulo.

Contra a dissonância que se produziu no seu interior, ele argumentou com os fatos evidentes de que aquele inseto, seco e enrugado feito uva passa, com perninhas finas e branquelas, era casada com papel passado e tudo.

Aquele "chega pra lá" do Zangão, transformou a sanha libidinosa da Cigarrinha em ira insidiosa, cruel e retida, que deveria ser liberada aos poucos, em doses homeopáticas, ao longo do tempo contra o bofe rejeitador.

Realmente, quando a lua cheia incrustava-se  ali naquele céu e produzia com sua luz, os humores pró conjunções, a Cigarrinha era tomada pelo ódio que a impelia para a vingança.

Apesar de ter sua origem numa família semi-analfabeta, ou como se diz comumente hoje, de analfabetos funcionais, a Cigarrinha de canela fina, ouvira a história da Branca de Neve e dos Sete anões. Havia no conto, uma bruxa malvada, nariguda e escalafobética que de cinco palavras pronunciadas, quatro eram sobre si mesma.  

E a bruxona, valia-se do envenenamento da maçã para nocautear Branca de Neve. Seria pois, com esse método que se vingaria daquele abelhudo esnobe.

Assim foi. Com um cafezinho aqui, um docinho ali, um pitéuzinho hoje, amanhã também, o Zangão viu-se  com as suas asinhas flácidas. Instalou-se uma disfunção retrátil.

Incapacitado para exercer a mais pífia das suas funções que era a de voar, o Zangão não pode valer-se nem ao menos dos serviços da saúde pública, de tão escangalhado que ficou.

Mas como não há mal que sempre dure e nem bem que nunca se acabe, e ainda por estar plenamente convicto da simetria e reciprocidade  nas relações sociais orientou-se para reagir positivamente caso algum dia a mesma situação se lhe apresentasse novamente. Prometeu-se que não melindraria a Cigarrinha endiabrada  sem pelo menos antes lhe perguntar: "Mas... e flauta...tocas?"

A ira da Cigarrinha não passou, porém, enquanto não comentou com a Lagartixa sobre o seu desafeto:

- Pois diz ele que Lagartixas têm pele branca, leitosa, de uma brancura assim... espermática.

Arregalando ainda mais aqueles olhos  negros e chicoteando o rabinho, o pequeno lagarto prometeu vingança.

Lembrou-se de quando em brincadeiras, algumas abelhas chamavam-na de lombriga e de bicho-feio-de-goiaba.

Mas o réptil era muito mais esperto e inteligente do que podiam imaginar.

No dia seguinte o Zangão encontrou em frente da sua casa uma camisinha usada.

Tomou a vassoura e varreu toda a região frontal da sua morada.

Notou ainda que as flores do seu jardim estavam quase sem vida, já meio esquálidas.

Controlou-se.

O Zangão percebeu na garagem do seu carro, uma bola murcha com o distintivo do seu time do coração, jogada ali no fundo. "Diabos - pensou - essa criançada deu agora  para jogar lixo  na casa dos outros".

Mas uma minhoquinha suscitou na sua mente uma alternativa provável:

- Aquela Cigarrinha está me provocando.

A Lagartixa, bebericando lá no boteco da esquina, dividiu com o ratão as suas mágoas dizendo que o Zangão  tinha preconceito contra quem tivesse comércio de produtos que destruíssem a saúde da bicharada.

O Ratão, esperto, visualizou uma oportunidade para disseminar a sua leptospirose.

E a vida no local ficou insuportável até o dia em que ali apareceu o tremendo exorcista.

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