RECEITA
DE SUICÍDIO
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Luís
Valise
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Eu
desconfio que o nosso caso está na hora de acabar Esses versos tristes de Dolores Duran refletiam à perfeição o momento ruim que eu atravessava, e para o qual não via solução que não a saída trágica. Mas qual? Então lembrei-me dos conselhos da falecida Vó Naínha sobre esforços físicos após as refeições: - mortais. Depois de almoçar, nada de jogo de bola, brincar de piques ou queimada, e menos ainda demorar no banheiro. Pelo menos duas horas de descanso, que a digestão pede sossego e rede. Foi então que tomei a decisão que me levou a dizer que
Para aumentar o remorso da desalmada escolhi nossa cantina preferida, e à mesma mesa de sempre fartei-me dos pães de linguiça com sardela. Em seguida, e em sua homenagem, tracei um espagueti à putanesca e ainda belisquei uns pedaços de perna de cabrito à toscana. Duas malzbier se encarregaram de deixar-me a um passo do desenlace. Para o passo derradeiro um táxi levou-me rapidamente ao endereço da deslumbrante. Do elevador chamei-a pelo celular e disse a nossa senha: - querida, cheguei! A porta já estava aberta e ela me esperava com a maquiagem que não escondia os olhos inchados. Sobre a mesa, pequenos maços de cartas e fotos que combináramos destrocar. Aceitei a mão estendida em cumprimento e arrastei-a em direção à cozinha. Antes que pudesse perguntar-me qualquer coisa, sentei-a sobre a pia e beijei-a na boca. Por entre os olhos semi-cerrados vi seus olhos abertos em espanto. Como sempre seu cheiro deixou-me excitado e num segundo minha paixão liberta procurou o ansiado caminho por entre suas roupas afastadas. Em posição de ataque e já nas bordas da trincheira ouvi a voz atônita: O quê é isso?! A saideira, respondi. E entrei. Procurei pelo fim curto, grosso e definitivo. Mas ela me alcançou e quando eu estava por um tantinho ela gemia me mata!, me mata! Quando recuperei o tino estava nas pontas dos pés, arqueado como vara de berimbau e aí senti o primeiro espasmo, violento, que me fez curvar-me ao meio. Deixei-me cair no chão da cozinha e as dores aumentaram. Ouvi meus próprios gemidos e pude ver o desespero na cara da santa que perguntava o que foi, o que foi? Mal pude responder: - cãimbras! Nas duas pernas! Senti minhas calças serem puxadas para baixo com violência e fui massageado com firmeza e vinagre. Depois de alguns minutos a dor passara e eu continuava deitado no chão, com a cabeça pousada em suas coxas, e os olhos fechados, morto de vergonha. Assim, sem ver o rosto da valquíria, ouvi um conselho ou um pedido: - Da próxima vez deixa que eu preparo a última ceia. Depois, podemos fazer juntos um hara-kiri. Na cama, Abelardo. Na cama. |
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