O
HOMEM CHAMADO QUASE
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Eduardo
Loureiro Jr
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Chamava-se Quase. Mas não sabia por quê. Ninguém soube lhe explicar o motivo do nome. Seus pais morreram quando ele ainda era pequeno. Foi criado num orfanato e quando cresceu se tornou alvo de chacota dos colegas. Ficava sempre na reserva do timinho do colégio, e só entrava quase no final dos jogos. Quase conseguiu uma namorada por várias vezes, mas no final da noite sempre saía algo errado. Toda a sua rebeldia de adolescência foi canalizada para a mudança de nome. Fez muito caratê, jiu-jitsu, musculação, e exigiu ser chamado de Arnaldo, que era o nome de seu pai. Mas com a maioridade, os formulários do alistamento militar e do título de eleitor... ficava complicado explicar a mudança, constrangedor mesmo, então assumiu o Quase de vez. Mas com uma condição: de que seu objetivo de vida seria descobrir a origem de seu nome. Chegou a pensar que pudesse ser um nome importante, de algum eminente personagem histórico de alguma civilização antiga, mas nada encontrou. Comprou todos os dicionários de nomes possíveis e imagináveis. Tinha de tudo, mas Quase que é bom, nada! Até que um dia, conversando com o filho, que a esposa queria porque queria que se chamasse Quase Júnior, mas que ele registrara mesmo como Arnaldo Neto; um dia, quando estava assistindo a um filme com o filho, O Corcunda de Notre Dame, se identificou muito com o corcunda, que era rejeitado por não ser belo da mesma forma que ele com seu nome feio. Até que ligou uma coisa na outra: Ele, Quase; o corcunda, Quasímodo. Foi dormir pensativo, não antes de remexer nas gavetas e olhar para sua certidão de nascimento, sua corcunda. Seu olho umedecido molhou o papel. Ele tentou limpar e fez uma borradura. E percebeu uma outra borradura no seu primeiro nome, como se o escrivão tivesse colocado Quas(alguma coisa), depois tivesse apagado e colocado Quase. Resolveu então aproveitar o fim de semana e ir até o cartório de sua cidade natal. Uma jovem mulher o atendeu, e indicou que o escrivão já havia se aposentado, mas que não sabia onde morava. Ele percorreu a cidade em que nasceu e em que não cresceu devido à morte de seu pai. Até que descobriu onde morava o escrivão, que já estava mais pra lá do que pra cá. Quase lhe mostrou a certidão, mas o pobre homem já não podia ler. Quase contou sua história, mas o velho não se lembrava de nada. Triste, se despediu do velho, e observou: "Quer que eu chame um médico, seu rosto está muito vermelho." A expressão do velho se alterou. "Vermelho, vermelho", ele repetiu. "Lembrei, meu filho", continuou o velho. "Lembro desse dia. Seu pai queria lhe registrar com o nome de Quasi, com "i", mas eu suspeitei de que era um nome comunista, coisa dos vermelhos, e não permiti. Ele insistiu, pediu que eu botasse Quasímodo então, que era o nome original, que ele tinha lido num livro. Mostrou até o livro, encadernado, capa vermelha, aí que eu não botei o nome mesmo, né? Mas ele tanto fez questão, e ainda mais apareceu uma amiga minha que devia uns favores pra ele, e me pediu que eu aceitasse. Aí eu aceitei, botei Quasi, mas na hora que ele saiu, antes de arquivar, eu apaguei e botei com "e", Quase, senão podia pegar mal pra mim, o chefe podia ver e me denunciar às autoridades." "Quer dizer que eu devia me chamar Quasi, de Quasímodo?", perguntou Quase. "Claro", respondeu o velho. "Mudei só pra constar, né? Seu pai não lhe contou a história?" "Ele morreu logo depois", falou Quase. "E sua mãe?", insistiu o velho. "Ela morreu no acidente junto com ele. Eu quase morri também", disse Quase. "Que pena, meu filho", e continuou o velho: "Espero que esse nome não tenha lhe trazido nenhum problema." Quase sorriu iluminado e repetiu em voz alta: "Eu, Quase, quase morri também. Talvez meu nome tenha sido uma bênção. Obrigado meu velho, obrigado por eu ter descoberto isso." Mas o velho não ouvia mais. Nem respirava. Tinha acabado de morrer. E sua consciência também estava em paz. |
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