OLHEIRAS
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Beto
Muniz
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Uma
história puxa a outra e a memória vai trazendo os pecados
da minha adolescência... Sei exatamente quando foi que a luxúria
e as mulheres com olheiras invadiram meu imaginário, e minha mão
direita. Tudo começou com uma visita a Vila São João.
Eu ainda era um menino, acho que quatorze anos, quando meu tio foi nos
visitar em Minas Gerais. Meu pai havia combinado uma pescaria com ele
e dois amigos de São Paulo e logo no primeiro dia um dos visitantes,
quis saber sobre a casa das madames. Apesar de saber da existência
dessas casas, eu nunca tinha posto os pés na vila das putas. Meu
pai, pastor evangélico, fingiu nem ouvir a pergunta do visitante
e os três forasteiros ficaram me olhando, esperando que eu respondesse
sobre o expediente do local. Diante da minha cara de espanto absoluto
(para não dizer ignorância), meu tio tascou a pergunta mais
constrangedora que um rapazola dessa idade pode ouvir:
- Você ainda é virgem moleque? Pego de surpresa, e diante do meu pai que nunca conversava sobre esses assuntos, eu não quis dar o braço a torcer. Impus moral pra cima dos visitantes: - Já fiz de tudo, já quase coloquei pra dentro! Só não contava com a crueldade do meu tio: - Xiiiii... Esse moleque é cabaço! As gargalhadas nem doeram tanto no orgulho quanto o risinho discreto, torto e disfarçado do meu pai. O rancor pelo meu tio brotou na velocidade dum pé de feijão, daqueles de experiência escolar. - E daí? - eu estava pronto para sair no braço. - Daí que vamos providenciar alguém pra você fazer tudinho, até o fim. O entusiasmo desfolhou pé de feijão matando o rancor crescente contra meu tio. Ajudei empolgado nas pesquisas sobre a Vila São João, que na verdade era uma rua com oito ou nove casas na saída da cidade. Descobrimos que a zona funcionava de terça a domingo, na segunda-feira as moças descansavam. Terça-feira era dia de voltar à ativa atendendo uma clientela quase fixa, na quarta o delegado fazia vista grossa e os menores, de grande porte, se esbaldavam. Quinta-feira em diante era festa só para adultos e o delegado fiscalizava a freqüência. Fomos na quarta, lógico, e o mistério começou quando meu tio cutucou o amigo paulista: - Olha aquela ali no sofá... Olha as olheiras dela. - Deve ser uma barbaridade! - Com certeza que é! Eu não entendi nada! Olhava para as olheiras da moça e não conseguia formar associação alguma com o desempenho sexual da mesma. - Vai entregar seu sobrinho nas mãos dela? - É muita areia pra carriola desse moleque. - Então deixa que eu cuido dela... O terceiro Paulista não comentou, mas também parecia saber os segredos de umas olheiras porque estava empolgado, quase babando ao meu lado. Enfim, conseguiram apenas duas garotas com olheiras e eu fui entregue a uma senhorinha, balzaquiana, sem olheiras. Ttanto porque não fazia diferença ela ter ou não esse requisito estranho. Naquela noite eu descobri que a luxúria é um pecado muito do gostoso e avancei bem além dos meus "quases" com as namoradinhas. A inocência se foi para sempre, mas ficaram novos mistérios a desvendar e então, a imaginação transformava a mão juvenil em parte da fantasia misteriosa sempre que eu via uma mulher com olheiras. Voltei diversas vezes na Vila São João, numa delas fiquei com a garota de olheiras, porém, não desvendei seus mistérios. Pensei que por causa da minha pouca experiência com o pecado da luxúria, ela não quisera me revelar todos seus encantos. Eu tinha que adquirir intimidade com o assunto e então retornar aos braços dessa mulher. Mas antes de estar pronto o mesmo tio voltou para nova pescaria e, já que era uma quarta-feira, fomos pra casa das madames. Nas primeiras casas os paulistas não encontraram nada de interessante. Entramos na sexta casa, quase no fim da rua e ficamos. É claro que as mulheres escolhidas tinham olheiras. Alta madrugada, eu e meu tio a pé pela rua de terra batida, ele queimando uma bagana e eu martelando o cérebro... Não resisti, mesmo correndo o risco de fazer papel ridículo perguntei: - Tio, por que você só escolhe mulher com olheiras? - Mulher com olheiras é mais gostosa! - Qual é a relação? - As olheiras são de ficar a noite toda trabalhando. - Não entendi... - Quanto mais gostosa, mais clientes. Quanto mais clientes, mais horas trabalhadas. Quanto mais trabalho, menos descanso... Por isso as olheiras. Ainda hoje eu não acredito que ele estivesse falando sério. Mesmo assim mantenho certo fascínio e não resisto diante dumas olheiras. |
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