CERVEJA
COM TORRESMOS
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Alberto
Carmo
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Não fora a cerveja gelada,
escura, boa para os dias mais frios, e eu talvez tivesse abdicado à cidadania.
Não estivessem os torresmos bem crocantes, pururucamente preparados, e
eu recorreria às armas. Mas que armas? Quais as tenho? Uma matraca calibre
22, e olhe lá. E de carregar pela boca, como espingarda pica-pau! Antes
tivesse um trabuco com calibre de um Quintana. Mas cada um pesca com os
anzóis que lhe foram dados de nascença. Tenha a santa paciência!
Dias há em que basta uma volta pelo quarteirão, ou mesmo uma volta de viagem, uma chegada antes do planejado, um fato inesperado, e cá ficamos, pasmados, absolutamente sem palavras. Nem um fio de argumento, um pedaço de frase, um fôlego temporão, que nos explicasse metade do que seria suficiente. Um terço que fosse. Falta-nos algo, guardado nalgum canto insondável de algum órgão fadado à falência, por total abstinência de uso. Uma inspiração sequer, que clareasse os dias límpidos, inexplicavelmente confundidos numa miragem de que não logramos escapar. E, ainda assim, enfiamos as mãos nos bolsos, a caminhar pelas paredes da casa, estáticos, com olhos de guizos. Tolos, que saímos à cata de búzios, à procura de provérbios, que nos justifiquem o futuro, descontentes do passado, que nos guiou até aqui, a passos lentos, dando-nos sofistas esperanças, à guisa de presente - presente de grego, diria-se. E navegamos, dia após dia, numa irresponsável pasmaceira, viúvos de bons modos, a vagar pelos Natais, dias dos pais e das mães. Reféns de filhos, que nos brindaram ao pedir-nos abrigo, no ventre, ou nos escritórios a que nos acorrentamos. Filhos esperados e implorados, que o esquecimento misterioso nos veio exigir demandas longínquas, depuradoras de tantas pendengas passadas, ou presentear-nos, pelos parcos gestos de dignidade. E embora nos pareça tão fácil o tempero do cozido a que nos propusemos, correm caudalosos motivos a nos adiar o deslumbre. Como se inesperado anjo houvesse de trazer, a um estalar de dedos, o que esquecemos pelos cantos da vida, há milênios. E capricorneamente obstinados, insistimos nos atalhos, orgulhosos demais para ver a escancarada estrada à nossa frente. E garimpamos palavras, como a nos querermos justificar a preguiça, fonte de nossas lamúrias. E de tumulto em tumulto, aos trancos e barrancos, fazemos Papas, papinhas e suquinhos. Fraldas pra que t'as quero! Fazemos ídolos, modelos, grifes e churrascos nos fins de semana. Guardamos no cofre os comprovantes, provas e contra-provas, que atestam nossa felicidade. Você é feliz porque tem que ser, porque tem renda para tal, casa com ar-condicionado e quintal. Tem carro robotizado, filho bem alfabetizado, férias programadas, tratamento VIP nos traslados, amigos bem trajados, perfumes de veado, e tem, tem, tem. No fundo, é uma saudade não sei de quê. Não há lembrança que se recorde. E dos piores inimigos, um há que nos enlouquece a sobrar. Quando corremos ao espelho e evitamos, a todo custo, olhar-nos nos olhos. A um mero olhar para o umbigo, encolhemos a barriga, e já nos sentimos melhor. Eu ia reclamar de alguma coisa, mas me esqueci. Estou quase me lembrando. Diacho de memória que me falha na hora agá! |
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