Tema 020 - AMORES ILÍCITOS
BIOGRAFIA
O QUE ELA QUER
Viviane Alberto

Era a primeira vez que ela dizia aquilo: Eu quero você. A cabeça relutava em aceitar a frase assim, inteira. Pronome pessoal, explícito. Primeira pessoa. Eu quero você.

Falou. Retórica pra pergunta óbvia: O que você quer? Eu quero você.

Era jogo aquilo? Brincadeira com palavras quentes? Ela odiava jogos. Mas gostava das palavras dele.

Palavras. De longe, de perto. Ele no zigue-zague de possibilidades de um país imenso, enquanto ela se plantava naquele ponto esquecido do mapa, onde só chegavam e partiam palavras.

E agora, aquela frase inteira. O sujeito oculto se revelava com voz e intenções. Eu quero você.

Então, vem.

No caminho, não pensou nada. Não percebeu a mudança na cor do céu. Parada na calçada, vendo centenas de carros passando, ignorando sua história e aquele momento. Pensou que fosse morrer quando viu o carro parar. E morreu, mesmo. Pra nascer de novo, melhor, depois.

Não sentia vergonha, não sentia medo. Perdida no cenário e na tontura boa que o desejo dava, ela não dizia nada. Mas ele disse: então, vem.

E no lugar do beijo, um abraço grande, que foi ficando forte, foi virando laço. E agora sim, tudo estava ali, as palavras escritas se jogavam de uma boca pra outra, no beijo que saiu do laço, mas que virou uma fome doida, doída, ardida nas dentadas dela.

Eu quero você. Então, vem.

A cada vez, ela decora seu corpo, pra se esquecer logo depois e forçar-se a imaginá-lo de novo.

E sempre treme ao abrir botões.

Finge dormir. Corre os dedos devagar pelo corpo dele, querendo que saiba que não é só por ânsia, mas, pra ter certeza de que ele está mesmo ali.

Aperta sua mão contra a dele, como um bilhete, um recado, que não é imediato, mas uma constante: Eu quero você.

O tempo deles é contado diferente. Finge que passa, que voa. Mas quando uma boca encosta na outra, parece que nunca tinha saído dali.

E ela, que fala tanto, continua não dizendo nada. E se arrepende depois, porque tem tanto pra dizer. E o tempo fingidor disfarça e passa. E aí vem sua boca e o que ela quer é toma-la inteira para si. Num silêncio da razão, mas ruidoso de vontades guardadas, saudosas.

Ela sente ciúmes doente. Febre de quem está longe.

Quer brigar com a física, com a lógica. Com o infeliz que disse que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar. Ocupavam, sim. Bastava querer. Ela sabia. E se existia um corpo que deveria estar lá era o dela. O dela.

Até que, naquele dia, uma outra moça.

O que fazer, jogá-lo pela janela?

Sim, talvez fosse a solução. Atirá-lo lá de cima. E sair correndo, como a louca que era.

Descer de encontro a seu corpo. Lamber seu sangue, comer seus restos. Reproduzi-lo em suas próprias células.

E nunca mais suas mãos e sua boca e seus olhos e o modo como ele passa as mãos nos cabelos enquanto toma banho?

Deixou de bobagem e foi abraçá-lo.

Tem coisas que nascem pra não ter dono. Nem rumo, nem guia. Parecem não ter jeito, mas tem um jeito tão bom de não parecer.

Olhava de longe enquanto ele ia embora com a moça, que já não fazia diferença nenhuma. Olhava e ria, masoquista, enquanto pensava na única coisa que tinha certeza na vida: Eu quero você.

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