A esposa do cidadão me passa essa história por escrito e autoriza a divulgação com uma condição: que eu encontre uma forma de preservar a identidade da família. Não tive trabalho em retirar os nomes, portanto essa crônica não é minha e a estou publicando porque concordo com a pessoa que me passou a história: Amar assim é ilícito.

- Cadê Nenê linda do papai?

Todo adulto faz perguntas idiotas para os bebezinhos. Ele, o pai, recém chegado do trabalho, fazia uma sabatina com a voz em falsete:

- É Nenê feia? Nenê guti-guti? ... Humm... Minha nenezinha fez caca? Deixa o papai ver.

Diante da certeza, virou pra esposa e informou, oferecendo a filha:

- Benhê, ela fez cocô!

- Por que você não limpa sua filha?

- Você sabe que eu não gosto de trocar fralda com nhaca. Xixi ainda vai, mas coco nem pensar.

- Tem nojo da própria filha? Pai mais desnaturado!

- Não é nojo dela, é da nhaquinha dela.

A mulher abandonou a novela das seis, pegou a filha e saiu em direção ao quarto infantil. Na porta ainda provocou:

- Mesma coisa. As sujeiras são parte integrante do bebê, se você rejeita sua filha quando ela está cagada é porque você não a ama de verdade.

- Não fala besteiras mulher, eu amo minha filha!

- Ama nada.

- AMO MAIS DO QUE VOCÊ, SE QUER SABER.

A provocação da esposa surtiu efeito no sujeito, que por algum motivo achou que, gritando seu amor, poderia convencer a mulher. Ela nem se abalou e enquanto limpava a filha disparou:

- Falar é fácil. Quero ver provar!

Mostrando disposição ele entrou no quarto.

- Você quer que eu a limpe para provar?

- Eu não quero nada. É sua filha quem precisa saber que é amada pelo pai.

- Então deixa que eu limpo essa meleca...

- Agora não precisa mais, já limpei!

- Então na próxima eu limpo!

- Duvido, você só tem papo.

Ela mantinha a provocação por distração, sem grandes intenções de levar adiante discussão tão boba. Mas ele estava irritado com a acusação de insensibilidade e rejeição, tanto que desafiou:

- Sou capaz de fazer coisas por ela que você não faria!

- Nada que você faça vai desfazer a sensação de rejeição no coraçãozinho dela. Com três meses o bebê já possui noção das coisas a sua volta e ela tem cinco meses, sente todas vibrações e emoções que transmitimos. Ela sabe que você tem nojo dela.

- Pois eu vou provar para minha filhinha que não tenho nojo dela!

- Você só sabe gostar dela quando ela já está limpinha. Pronto! Toma, não precisa mais rejeitar sua filha, a fralda está trocada!

- Cadê a fralda dela? Vou provar que não tenho nojo.

Pegou a fralda suja e antes que a esposa esboçasse qualquer reação, meteu o dedo na pasta amarelada.

- Viu?

Vitorioso, ele acenava o indicador sujo diante do rostinho curioso da filha que sorriu banguela, talvez achando graça da brincadeira. A mulher tomou-lhe a fralda, mas não se deu por vencida:

- Eu me sujo com bosta dela todo santo dia.

- E isso você também faz?

Para horror da esposa, o estúpido meteu o dedo na boca.

- CREDO! Porco!

- Para você saber o quanto eu amo minha filha!

- Isso não é amor! Eu te proíbo de amar minha filha dessa maneira!

- É pra calar tua boca!

- ANORMAL! DEMENTE!

Entre enojada e divertida com a imbecilidade do indivíduo, ela saiu do quarto levando a filha. Antes, porém, arrematou, devolvendo a fralda suja ao porco:

- Toma, cuide da sua marmita!