Tema 019 - FAZ DE CONTA
BIOGRAFIA
ERA UMA VEZ, DUAS, TRÊS...
Viviane Alberto

Dia de sol na floresta. Chapeuzinho Vermelho azulava de tédio, observando os esquilos. Tanto tempo já passara e a rotina sempre igual. Mas, dentro dela, alguma coisa estava diferente e ela sabia que o final da estória teria que mudar. O plano já estava pronto e foi com alívio que ela ouviu sua mãe lhe chamar.

- Chapeuzinho! Leve esta cesta de bolo para sua Vovozinha!

A mesma ladainha. Será que mamãe não percebia que aquela história de bolo já tinha cansado? E aquele capuz vermelho, ridículo, que não fazia sentido numa mulher daquele tamanho. E com aquela cintura. Mães...

Repassou o plano e rumou floresta adentro. A Vovó morava longe e o caminho era deserto, se tudo corresse bem, o Lobo-Mau deveria estar por perto. Ah! O Lobo-Mau! De hoje ele não escapava. Foram anos de espera. Centenas de olhares lascivos e ele nada. Mas hoje ele ia perceber.

Parou embaixo de uma árvore e começou a transformação. Dobrou o cós da saia. Isso, três dedos acima do joelho. Ótimo. Abriu o primeiro botão da blusa branca. Abriu mais um. E agora? Um ou dois? Virou pra um lado, pro outro. Colocou a mão no joelho, deu uma abaixadinha. É, era melhor deixar só um aberto. Caso contrário, até os Sete Anões iriam correr atrás dela.

Pegou a cesta e voltou para a estrada. Agora era só uma questão de tempo e o Lobo apareceria. Ouviu o farfalhar da folhas e sentiu um calor que subia por suas pernas. Num segundo, o Lobo estava na sua frente. Boquiaberto. Dividido entre os joelhos e o decote. Olhos famintos brilhavam. Os olhos dela.

Completamente sem jeito, o Lobo tentou continuar a estória:

- Err... Mas quem é essa menininha que vejo pelo caminho?...

- Ih, pode parar. Vou te dizer uma coisa, presta atenção porque eu não vou repetir. A estória da menininha acabou. E você vai ter que lidar com isso, por um motivo muito simples.

- Já sei - o Lobo tentava descontrair o ambiente - Você vai pra Flórida e eu vou precisar fazer supermercado, acertei?

- Não, Lobo bobo. O fato é que eu quero você.

- Você me quer? Pra quê???

- Pra que... pra te comer, bobinho...

Tremia um pouco, o Lobo.

- Olha, vamos fazer assim: pega seu bolo, sua cesta e essas intenções aí e volta pra sua casa... Eu, por minha vez, dou meia volta, como umas pitangas e esqueço tudo isso.

Enquanto o Lobo falava, ela ia se aproximando cada vez mais. Quando terminou de pronunciar ‘isso’, ela já estava com tudo aquilo abraçado a ele. Ela perguntou:

- Pra que esses olhos tão grandes?

- Pra ver minha ruína...

- Pra que essas mãos tão grandes?

- Pra roer as unhas depois...

- E essa boca, heim? Pra que essa boca tão grande...

Ele não teve chance de responder, colado que estava ao beijo da menina.

E foi assim que Lobo e Chapeuzinho deixaram de pertencer ao imaginário infantil. Eram um do outro, isso sim. Foram tardes inteiras, manhãs de sol. Noites em que ele deixou de uivar para a Lua.

A Vovó teve que se contentar com o Caçador. Mamãe continua fazendo seus bolos, mas agora ela mesma vai entregá-los. Vai perfumada e atenta, quem sabe outro Lobo, ou mesmo um Alce Encantado está por perto...

Só pra constar, é bom que se diga que foram felizes pra sempre, mesmo porque os boatos de que Chapeuzinho andava fazendo suas refeições na casa dos porquinhos eram completamente infundados. E o Lobo provou por a + b que nunca em sua vida chegara perto de cachinhos dourados.

E acabou-se a história! Quem nunca foi Lolita na vida pode atirar a primeira pedra.

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