UM
MEDO, POR FAVOR!
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Eduardo
Loureiro Jr
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Que as coisas acontecem aos pares, acho que todo mundo já sabe. Por exemplo, dois cronistas que publicam, no mesmo dia, textos diferentes sobre o cheiro do pão. Crônicas sobre o Rubens Barrichelo numa segunda-feira ou sobre o último escândalo político no dia seguinte, tudo bem, mas cheiro de pão é coincidência demais! Pois na noite em que a Júlia, nas vésperas de seus 3 anos de idade, saiu correndo da sala com medo do gongo que soava na música de Vitor Ramil, eu, eu mesmo, com 10 vezes mais idade, tive medo de trovão, ou pelo menos tive vontade de ter medo de trovão. Com a idade, nós vamos perdendo dentes, cabelos e medos. E se inventamos dentaduras e perucas, por que não criamos nada ainda para repor o medo, alguma espécie de hormônio fóbico que nos trouxesse de volta o friozinho na barriga? Não falo nem da utilidade do medo para nos livrar de acidentes, falo mesmo é da perda do tremor, do pulso acelerado, do desespero que benditamente nos faz esquecer das coisas sem valor a que atribuímos importância: a tesourinha de cortar unhas, o cotonete, o programa de milhagens, o plano de saúde... Ter medo é, antes de tudo, se libertar das pressões sociais internalizadas e fazer nada mais que aquilo que se quer e precisa fazer no momento: gritar, fugir, correr, se esconder, se debater. O medroso tem meio caminho andado para a poesia, para a metáfora. Um simples gongo pode se transformar num monstro de voz ecoante, e um trovãozinho de nada pode virar um acesso de tosse de fumante em abstinência. O medo abre as portas da percepção, escancara! É melhor que LSD, PHD e a DPZ juntas. Não há droga, ciência ou publicidade mais inventivas que um súbito medo. O medo é como o amor: vem não se sabe de onde; e quando vai embora, só temos a certeza de que ele voltará quando menos esperarmos. Então, hoje que o céu está claro e que a Júlia não está ouvindo Vitor Ramil comigo, tenho que inventar um medo, fazer de conta que o vento assobiando na janela de vidro é um fantasma daqueles que assustavam Scoobie Doo, imaginar que a água que pinga do ar-condicionado do apartamento de cima são os passos de uma terrível criatura que se aproxima, fantasiar que o som das teclas enquanto digito é o bater na porta do Homem do Saco ou do Lobo Mau. E me enrolo na rede de dormir, trêmulo, vendo através de meus olhos fechados o mundo como ele é: apavorante, encantador e infinito. |
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