OS
NOVOS CORONÉIS
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Alberto
Carmo
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Domingo de sol, a natureza exuberante a convidar para uma boa caminhada. Lá pelas 10h um convite, para um churrasco na casa de um pessoal amigo. Trata-se de uma família simples, da roça mesmo. O casal, Tuíca e Florinda, e quatro filhos, Carla, Junior, Bruna e Sirlei - tinha que ter um desses nomes, né. Mas a Sirlei é uma bonequinha; crianças lindas e extremamente educadas. Peguei umas carnes e umas cocas, e lá fomos nós; eu, e os meus velhos. Moramos todos num recanto próximo a Sampa, um vilarejo do interior, escondido ao lado da cidade. Eis que, lá pelas 13h, quando a picanha já exalava aquele aroma inebriante, chega o pastor da igreja evangélica local, estrategicamente na hora exata - sim, aqui também já tem essas ervas daninhas. Olhei o malandro bem dentro dos olhos: a mais pura safadeza escorrendo pelas pupilas. Esperto, ele percebeu no ato que deste mato não ia sair coelho e botou o santinho de volta no bolso do paletó. Chegou e foi-se sentando. Florinda já ofereceu almoço, toda sorrisos. Tuíca correu para encher um prato com pedacinhos de picanha. O pilantra soltou o lero: - Não vim para almoçar, só para orar, mas já que insistem. Percebi que as narinas do meu pai já estavam soltando fumaça. Minha mãe só cutucando o safado: - Ainda bem que o senhor não veio para o almoço, senão não sobrava nada pra nós. Isso porque o sujeito encheu um prato, que mais parecia um protótipo de Queóps. A mamãe não deixa barato essas coisas não, solta logo um míssil na testa do energúmeno. E a família simples dava o que de melhor tinha ao tal pastor - um profeta, segundo eles - e com aquele sorriso de gente simples, ingênua. Eu fiquei só olhando de soslaio, analisando o modus-operandi do ladrão de casaca. O salafrário encheu três pratos de comida - acho que quis ser historicamente correto - deglutiu Quéops, Quéfren e Miquerinos - mais um tanto de pedaços de carne. Serviram-lhe Pepsi-Cola. Ele comentou que preferia Coca, mas que aceitava a pepsi mesmo. Ora, e não é que a Florinda foi buscar uma Coca e serviu ao beberrão? A minha coca, que eu levei para as crianças. Meu instinto exigia que eu enfiasse as fuças do sacripanta no meio do prato cheio, e o enforcasse delicadamente com a própria gravata. Mas a família já está com a cabeça feita. Acham uma honra receber tal elemento peçonhento dentro da própria casa, dando-lhe o melhor do pouco que têm. E como comia o desgraçado, sem a menor cerimônia, na maior cara-de-pau. Meu pai levantou-se e saiu de fininho, resmungando: - Essa gente pensa que todo mundo é bobo. Ele ficou fulo, porque o verme bebeu uma coca de dois litros inteirinha - nem olhou para as crianças. Meu pai é gente simples também. Fossem outros tempos e ele tocava de lá o herege na mira da espingarda. Antes que eu deixasse de ser réu primário, saí logo do recinto - melou o churrasco. Mesmo porque, após o sprint do pastor, pouco iria sobrar aos convivas. Só por curiosidade, pesquisei no Alta Vista a tal igreja. Está lá o site. É a igreja de um azêmola, que se auto-intitula: missionário David Martins de Miranda. O cara é a cara do ACM. E inocula o veneno em vários continentes. E por falar no Toninho, essa corja de pastores, e missionários, e bispos, veio substituir os antigos coronéis. Todos mantêm seus currais eleitorais. São disputados a tapas nas eleições. Em comum têm a logística: exploram o povo mais simples. Colecionam rádios AM, além de mansões e carros, importados, claro. Afinal, levar a palavra de Deus requer um certo conforto. Rezo para não cruzar com o "tarzinho" no meio do mato, senão vai ter churrasco de urubu. Os miúdos eu levo comigo, e deixo em alguma encruzilhada. A classe média, na luta para manter as aparências e ficar em dia com os impostos, devia olhar um pouco para os lados. Enquanto se luta para não perder o emprego, pela distribuição da renda, pela redução da corrupção e outros que tais, não se percebe que, logo abaixo, o povo vai sendo minado por outra raça de invertebrados. E o pároco, na casta batina, vai tomando seu vinho todos os domingos, e boicotando os fabricantes de preservativos. Isso quando sobra tempo, depois de abençoar estupradores e punguistas na Casa de Detenção. Se Sua Santidade, o digníssimo senhor Papa, quiser continuar no mercado, é bom que faça um Papa Nicolau com urgência. |
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