O
TIQUE NERVOSO DO PISCA-PISCA
|
|
Eduardo
Loureiro Jr
|
|
A semente do mal só é descoberta muito tempo depois de ser plantada. Era filho de militar. De dois em dois anos mudava de residência. Conhecia o Brasil de cabo a rabo, de marechal ao escambau. Só não sabia a diferença entre pisca, seta e sinaleira. Sempre andava de bicicleta, era um verdadeiro mascote da geração saúde. Aos 17 anos, matava todos os colegas de inveja com seu corpo malhado e seu espírito viajado. Falava fluentemente gauchês, baianês e outros sotaques brasileiros. Seu único ponto fraco era não saber a diferença entre pisca, seta e sinaleira. Mas disso ninguém sabia, nem mesmo ele. Aos 18 anos, seu pai lhe deu um carro de presente e ele aprendeu a dirigir. Aprendeu tudo direitinho, tinha uma coordenação motora impressionante, precisou de apenas duas aulas de auto-escola. No exame de legislação de trânsito só não tirou dez porque não acertou a diferença entre pisca, seta e sinaleira. Quando saiu a passeio com a namorada, e ela, ardida de paixão e desejo, pediu que ele ligasse o pisca-alerta e parasse no acostamento da estrada, à noite, ele girou a manivela por trás do volante para a direita, acionando o pisca-pisca, e mal teve tempo de desligar o carro antes que a namorada lhe desabotoasse as calças. Horas depois do gozo fatigante e do descanso cochilante, a namorada pediu para ele ligar o pisca e retornar para casa. Ele ligou o pisca-alerta e beijou a namorada antes de voltar à pista distraído. O motorista do caminhão que se aproximava, em um único segundo, viu o pisca-alerta, pensou em parar e atender ao código internacional de veículo parado em emergência, mas olhou para o relógio, disse para si mesmo que estava atrasado e acelerou. Quando o carro que seu pai lhe havia dado voltou à pista, as últimas palavras que ele ouviu foram de sua namorada gritando: "Não é o pisca-alerta, é o pisca-pisca!" Ele nunca soube a diferença entre pisca, seta e sinaleira. O carro sofreu pane elétrica. Pisca, seta, sinaleira, pisca-pisca e sinaleira acendendo e apagando sem cessar, indiferentes e indiferentemente. Ele morreu imprensado ao volante, como o fruto estragado de uma semente do mal. |
|
Protegido
de acordo com a Lei dos Direitos Autorais - Não reproduza o texto
acima sem a expressa autorização do autor
|