PISCA
ALERTA
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Alberto
Carmo
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- Independência ou morte!
- eis o senão. Sonhei esta noite com a Terra dando uma piscada de
alerta ao criador - dela, do céu e de "tout les choses", como
diria o beato Sartre depois de uma talagada de absinto. Dizia a rotunda
criatura:
- Divino, assim não dá mais. Faça alguma coisa! - choramingou. - O que propões, ó ingrata? - bramiu o senhor dos trovões. - Um corte imediato, autoridade! - implorou a bolota terrestre. - Queres que corte o quê, ignóbil poeira estelar? Pessoal, material de escritório, gastos com xerox, copinhos descartáveis de café? - inquiriu o supremo ser. - Sugiro um corte cirúrgico com o bisturi celeste, uma divisão de águas. Uma parte para lá, outra para cá. Algo assim como quando se vai a Trancoso tomar água de coco, e o camelô praiano, munido de afiada peixeira, dá aquele corte preciso e divide o fruto em duas calotas. A de cima vai ao lixo, a de baixo mata a sede do freguês. - Então queres que te divida em duas. Deixas tua forma de esfera e passas a ser uma calota, semelhante a um limão cortado ao meio. Ou melhor, duas calotas a perambular pelos céus. É isso, cítrico asteróide? - Matou a pau, big boss! Apenas não decidi o lugar da machadada a ser dada. Quero afastar aquela velharia lá de cima. Deixam-me cada vez mais louca, e as vacas também. Nem as bolsas agüentam mais. Aceito sugestões. - E aonde vais te estabelecer? Na calota superior ou na sulina? - ponderou o capitão-mor. - Fico no andar térreo, excelência. Afinal, como nas mulheres, é cintura abaixo onde habitam as delícias tropicais. - Queres que te cape a calota polar? - argüiu o grande comandante. - Devagar, amizade! O buraco é mais embaixo, quero me livrar de certas partes que me incomodam. - Que tal uma chanfrada à altura do Equador? Desta forma a divisão hemisférica será igual e justa, e bem sabes que sou fissurado em justiça. - Se me permite, vou consultar o cartógrafo. - Fica à vontade! - permitiu o nobre arquiteto. - Negativo! - retorquiu a poluta primogênita. Se me podar pelo Equador, perco parte da Pororoca, fico sem meus Havanas, sem os cruzeiros ao Caribe e as ondas de Honolulu. Isso sem contar que perderia meus tacos mexicanos. Nem pensar! - rabujou a lunática dama. - Então um golpe certeiro na testa do Trópico de Câncer, o que achas? Ganhas metade do México, um bom quinhão do petróleo, livras-te do Disney World e dos bárbaros do Oriente Médio, usufruis as curvas das Índias Ocidentais, e ficas a um passo dos produtos "made in Taiwan". Em compensação, não subirás mais ao topo da Eiffel, terás que substituir o champanhe por tua caninha, desistirás da boa vodca, dos bacalhaus do Porto e dos pasteizinhos Guiosa. Declinarás miríades de história e de conquistas, serás excomungada pela bula papal, e jamais voltarás a navegar pelo Yahoo. É pegar ou largar! - vociferou o magnânimo. - Quase perfeito, milorde! Mas ainda assim fico com quase todo o Saara. É areia demais para o meu caminhãozinho. Aceita uma transação à base de troca? - balbuciou a cínica lactente. - E o que queres em troca daquilo, ó bastarda granulada? - rugiu o burgo-mestre. Paris, Nova Iorque, Tóquio, Milão, Londres, Chinatown, o Harlen? - Corta essa, meritíssimo! Vossa Senhoria fica com o areal e em troca deixa um xerox autenticado da sua reverendíssima certidão de nascimento, atestando a terrinha daqui como local de origem. "Just in case", sabe como é. Afinal de contas, vox populi, vox dei! - Abusas da minha santa paciência, herege latifúndio! Deixa-me lembrar-te de que sou onipotente, sapientíssimo, ecologicamente correto e, além do mais, criei-te a ti e a tudo! - decretou o pai de todos. - Quem pariu Mateus que o embale! - concluiu a sofista. |
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