MICHÊ
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Luís
Valise
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A toalha de mesa era de linho branco com delicados bordados de rosas amarelas. A louça de porcelana com fios dourados nas bordas era a sua preferida. No centro da mesa uma grande travessa de carne assada com batatas douradas, molho escuro cheiroso, água na boca. O pai dando graças pelo alimento de cada dia, a mãe contrita aguardando a ordem de servir, a irmã mais nova distraída com o desenho das rosas. Amém. Esticou o braço e espetou com o garfo uma fatia da carne macia JÁQUI! JÁQUI! Acorda! Caralho, Karina, já disse pra não me acordar assim! Porra! De qualquer forma, já era. Direto do sonho pra zona. Acordar só não era pior que o cheiro azedo do freguês gordo da noite anterior. Porra, como o cara era pesado! E como demorou pra gozar, o puto! No espelho do banheiro o mesmo rosto de sempre, assim estava escrito. Na boca um cheiro horrível, uísque de merda. No chuveiro aparava os pentelhos com a tesoura. Na grande sala com sofás manchados as meninas sacaneavam os fregueses: - ...e o cara começou a me perguntar Cê tá gozando? Cê tá gozando? Parecia que eu estava no Show do Milhão, quase pedi as placas, hahahahaha! Jaqueline custava a crer que estivesse ali. Estava, e também tinha sua quota de pelados com pedidos exóticos. Não os chamava de homens, fregueses ou patos, apenas de pelados. Assim, sem alma. O pelado de ontem era gordo e custou a gozar. Disse que gostava de um romancinho, antes. Romancinho? Quase mandei ele fazer romance com a bruaca velha que lava suas cuecas. Estava ali sem se enganar, porque não gostava de trabalhar e porque gostava de trepar. Não que gozasse sempre, mas gostava da coisa, dos seus entretantos, dos seus finalmentes. Quando via uma dizendo que estava ali porque era obrigada tinha vontade de esganar. Pra entrar nessa tinha que ser chegada na coisa. Como todo segundo domingo do mês o próximo era de visita. Ia ver o filho que ficava com seus pais. Levava sempre o mostruário fajuto de cosméticos baratos que dizia vender pelo interior. Os olhinhos do filho brilhando na sua chegada, dava o brinquedinho de camelô, matava saudade do quarto. Às vezes a mãe tocava seu braço: - das Dores, tá ficando surda? Já nem atendia pelo nome, cada vez mais Jaqueline, Jáqui. Viu quando ele entrou, nada diferente dos outros, no começo meio acanhado, depois a bebida soltando a língua, logo chamando todas de meu tesão, menos ela que estava acompanhada. Pediu alto, pro pelado desistir e partir pra outra. Bingo. Queria aquele pelado pelado, não sabia bem por que. Passou perto dele, ouviu que tesãozinho, parou e disse sou sim, mas só pra você. Ela não entendia por que certos homens a deixavam assim, querendo ficar até de graça. Eles não sabiam o que viam nela pra querer pagar até mais que o combinado. Sozinhos no quarto, sorrisos esquecidos na beirada dos copos, tiraram a roupa sem fantasias. Deitaram-se, ele pedindo um abraço. Ela trouxe sua cabeça pra junto do seu peito, e ficou alisando seus cabelos até que, já de manhãzinha, ele parasse de chorar e adormecesse. Não o pelado, mas o homem nu. |
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