Tema 015 - MENTIRA
BIOGRAFIA
MENTIRA FABULOSA
Rosi Luna

Não sei quando aprendi a mentir, acho que a fábula do Pinóquio ajudou a realçar mais o prazer de não falar a verdade. O mundo da mentira parecia fascinante, me daria direito a doces, a espetáculos proibidos e ainda daria uma sensação maravilhosa de estar burlando regras, de estar tocando no intocável, no arredio e na longitude das coisas.

Histórias sempre começavam e terminavam iguais e resolvi mudar isso. Não sei se posso falar que as vezes me apaixono por personagens, eles são tão reais, que tem horas que sinto tocá-los, não com minhas mãos, mas com minhas palavras. Vou contar como aconteceu.

Conheci um Pinóquio que tinha uma característica pra lá de especial, era excitante mentir pra ele. Devo ter conseguido um papel de coadjuvante ao lado dele. Ele precisava achar alguém que o ajudasse a movimentar sua fantasia e aceitei atuar em conjunto, sem me importar com o desenrolar da história e nem com o tamanho do meu papel na trama.

Na fábula do novo tempo, cada vez que ele mentia, não era o nariz que crescia, bastava olhar pra baixo do umbigo e lá estava crescendo vertiginosamente tão comprido como um nariz. Certa vez ele estava tão excitado, que resolveu dar uma volta no bosque, tentar esquecer essa hipótese; de como algo tão tentador e mentiroso, podia ser tão absolutamente verdadeiro.

Pinóquio estava passeando no bosque e encontrou Chapéuzinho Vermelho e ficou perplexo, seriam duas fábulas juntas. Não, o mundo real não permitiria tanta fantasia, era uma mentira grande demais pra ser verdade. Travou um diálogo rápido, queria voltar pra sua história urgente, não gostava dessa coisa de fusão de fábulas.

- Chapéuzinho e aí, como vai o Lobo?

- O Lobo vai bem, continua peludo, barbado e nem te conto as novidades. Me disse que comer vovózinha, dá indigestão!

- Não me diga, que ele está pensando em comer...

- Pinóquio, se você não fosse tão mentiroso te contava a verdade.

- Vai conta, conta. O lobo mau está se encantando com você - a pequena Chapéuzinho Vermelho.

- Calma menino, deixa pegar aqui uma fruta na minha cestinha, adoro mixiricas. Tem um perfume na casca irresistível, quer um gominho?

- Não, deixa de enrolar e fala o que está acontecendo de verdade.

- Para, pode parar! Vamos passear no bosque e apreciar os animais. Olha a lagoa dos hipopótamos e a casinha do quati. Nossa, repara esse passarinho parece até meio rouco de tanto que canta, e parece que tem até um cachorro na história, coisa esquisita, cada hora aparece um bicho diferente.

- Estou perdendo a paciência, odeio quem enrola pra contar as coisas.

- A Anta!

- Está me chamando de anta, Sr. Pinóquio Mentiroso de uma figa?

- Mulheres, como são afobadas! Olha aquela anta,  ela é especial.

- Assim você está me ofendendo, uma anta especial. Sei, sei, quer dizer que é uma anta especialmente burra.

- Chapéuzinho o que estou querendo te contar, é que o veterinário me disse ontem, que aquela anta ali tomou uns remédios errados e deixou de ser uma anta burra e ficou uma anta inteligente.

- Mais uma de suas mentiras, aposto, está crescendo seu... seu... nem vou falar.

- Menina é que eles ao invés de dar vitamina pra anemia, erraram e deram o remédio do tratador de animais que esquecia tudo e era burro como uma porta. Deram remédio pra memória e assim ela ficou uma anta inteligente, sacou.

- Pinóquio, tenho que reconhecer suas mentiras são brilhantes e odeio gírias e saquei, saquei, saquei.

- Espera aí, que caiu minha bonequinha de estimação no chão. Olha dona fofolete vou colocar você aqui no bolso do casaco,  perto do coração e não me invente de sair daí, seu lugar é bem junto de mim.

- Mulheres, bonequinhas, frescuras, basta soltar umas poesias e uns galanteios bobos e vão caindo como patinho. Já vou misturar outra história, a do Patinho Feio, se bem que você até que é uma patinha bonitinha.

- Olha patinha bonitinha é a sua vovózinha. Aiii! E o que é isso crescendo aí?

- Chapéuzinho é que você me excita, quando fica brava, me conta aquela brincadeira que o Lobo queria fazer.

- A brincadeira é assim, vou colocar a pergunta e resposta na mesma linha, tá.

- Pra que esses olhos? O Lobo responde, é pra te olhar todinha e nua de preferência.

- Pra que esse nariz? É pra te cheirar todinha, cada pedacinho dessa Chapéuzinho que tanto desejo.

- Pra que essa boca? O Lobo fica meio pensativo e fala. Quer que minta ou fale a verdade?

- Respondi, mente. O Lobo disse essa boca é pra te beijar.

- Vai me fala, você acreditou nessa resposta?

- Claro, que não.

- Vou dizer como seria a versão correta dessa pergunta.

- Pra que essa boca? E Lobo responderia, é pra te comer até matar essa minha vontade de estar contigo.

- Pinóquio aposto que está crescendo... igual bolo com fermento, esse negócio aí em baixo.

- Chapéuzinho sabia que você movimenta minha fantasia, nesse momento estou ouvindo sinos em inglês - bell. E vejo Helena de Tróia entrando e vejo Clark, e a cada hora tenho que imaginar personagens. Ui, parece que pisei no seu pé.

- Pinóquio pisou mesmo, parece que você tem um pé português, posso até chamar de pé luso, sabe você não percebe quando pisa na bola.

- Dona Chapéuzinho Vermelho, para de me excitar e de se fazer de tonta, que adoro mulher que sabe mentir. Puxa e você sempre me surpreende a cada dia. Quando penso que te peguei, você pegou um atalho pra chegar na cabana da floresta mais rápido.

- Olha Sr. Pinóquio Mentiroso da Silva, confesso e não é mentira não. Poderia me apaixonar por qualquer uma das suas fantasias, cada uma é mais tentadora do que a outra, mas no momento quero ficar longe, não quero me envolver muito em mentiras fabulosas. E estou aprendendo contigo, como faço pra ser uma mentirosa profissional.

- Assim agora é você que está me ofendendo. Me chamou de mentiroso profissional? É isso que acha de mim, quando tento te passar toda minha sentimentalidade.

- Não, acho você muito criativo e sabe mentir com categoria, os outros também.

- Que outros? Nossa, que mania de perseguição que você tem. Pensa que sabe e não sabe nada. Pode se candidatar a vaga de espiã na Hungria, só lá vão te querer com tantas investigações infundadas.

- Aiiiiii socorro... está ficando muito grande, assim você me assusta, vou ter que chamar o personagem Leão Valente pra me defender.

- Chapéuzinho me conta só uma verdade, vai...

- Me lembrei daquele ditado popular "me engana que eu gosto".

- Sabe que pra mulher, até que você sabe fazer seu papel direitinho, até que mente bem.

- Te xingo! Seu, seu... seu machista, seu circo armado, seu nariz enorme, seu pau brasil, seu coisa que cresce...

- Tá ficando excitante! Me conta outra mentira, vai...

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