MAREMOTO
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Beto
Muniz
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Assim como existem pessoas que se apaixonam pelo mar, também existem mares que se enamoram de seus visitantes. Conheci o mar aos dezenove anos. Mineiro que sou tratei logo de beber um gole da água que vinha morrer espumante aos meus pés. Bebi com tanto respeito, com tamanho encantamento que aquela imensidão de águas sentiu minha emoção e flertou, saliente, em ondulâncias carinhosas. Pintou um clima entre nós. Era um sentimento tão forte e tão irresistível que me deixei seduzir. Acostumado com a entrega freqüente aos rios e córregos de Minas Gerais, arranquei a roupa e me lancei ao mar sem esperar qualquer demonstração de excitação por parte das águas. O mar, que desconhece a própria força, me puxou para si e me retribuiu o encantamento com uma jura de amor eterno. Quase fico em seus braços para sempre, afogado de paixão. Desde então me entrego ao mar como uma virgem vacilante, permito que o mar me envolva, que me abrace, me acaricie, mas estou sempre alerta com um olho na areia, prestes a fugir. Existem mares que se fundem com as pessoas que os fitam. Anos atrás levei minha mãe - essa, mineira de verdade - para conhecer meu amante salgado. Do alto das pedras e de seus quase sessenta anos, mamãe se deixou fundir numa simbiose com o oceano e se perdeu, com os olhos, na dobra das águas. Ficou horas imóvel, muda e feliz num vôo imaginário por sobre as ondas. Desde esse dia, sempre que a convido para rever o mar surge um brilho estranho em seus olhos. Desconfio que esteja flertando com meu amante. Também existem pessoas que se fundem com o oceano. Isso é mais comum. Algumas pessoas chegam montadas em suas mágoas, vêm chorar à beira mar. Trazem consigo o propósito inconsciente de aumentar o volume de águas salgadas. Essa gente elegeu o oceano seu fiel depositário e deixam, onde morrem as ondas, uma lágrima ou mil. O mar é volúvel! Estende-se insinuante pelas areias e recebe esses visitantes como se fossem, cada qual, um amante em potencial. Parece inevitável, todos que freqüentam praias mantêm um relacionamento extraconjugal e único com o mar. Culpa exclusiva dele que se faz de sonso e acaba por encantar a todos. Confesso que tenho ciúmes, mesmo assim mantenho com o mar esse troca-troca insólito. Ele envolve meu corpo e eu invado suas ondas deixando-o encapelado, gozando em maremotos. |
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