VIA
FOFOCA
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Beto
Muniz
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Meu carro é, digamos, aconchegante. Foi meu primeiro carro zero quilômetro. Quando comprei, dois anos atrás, lembro que saí da concessionária desviando de tudo quanto é buraco, lombada e poça d'água. Durante uma semana cuidava do carro como se ele fosse o meu bem mais precioso. Depois passou essa coisa, esse sentimento de amor pelo automóvel. Não tenho certeza, mas acho que arrefeceu no primeiro risco da pintura. Confesso que foi interessante dirigir sabendo que eu era o primeiro a conduzir aquela máquina nova pelas ruas da cidade. Uma sensação, eu diria, realmente sensacional. Redundante mesmo. Coisa que (quase) todo cidadão faz e eu me recusei a fazer foi deixar o plástico de proteção nos bancos. Terrível isso! O plástico serve para proteger o estofamento do acumulo de pó enquanto o carro está no pátio da fábrica ou da loja. Durante o uso, plástico sobre os bancos serve apenas para criar uma camada de suor que impregna na roupa do cidadão e deixar o carro fedido. Mas cada qual sabe do seu nariz. O único ritual que cumpri, como qualquer cidadão normal, foi colar um adesivo no vidro traseiro. "Filho da mãe!". Pequenino, discreto, tímido, quase uma afronta ao condutor do veículo seguinte, ou uma homenagem à minha mãe, pois sou um bom filho. Após esse adesivo, meu carro ganhou vida própria, deixou de ser mais um no trânsito para ser O MEU CARRO. Personalizado. Penso que a placa do carro é só um complemento de identificação do veículo, não quer dizer nada se você não é funcionário do DETRAN ou CET. O que vale são os detalhes, adesivos, badulaques e objetos dentro do porta-luvas. Aliás, acho que o porta-luvas do carro diz mais sobre o dono do que o próprio carro. Mas estou divagando, quero mesmo é contar uma ocorrência derivada do adesivo. Do "Filho da mãe!". Acontece que, após dois anos com o mesmo carro, meus amigos sabem quando estou chegando, passando ou indo embora e a prova disso foi uma amiga em comum ligando para minha esposa. Mistério e cumplicidade na voz: - Olha, eu sou muito sua amiga e sinto que tenho a obrigação de te avisar... - Avisar o quê? - Seu marido... - O que é que tem ele? - Acho que não deveria me meter, mas... - Fala logo Cláudia!!! - Acabo de ver ele entrando num motel... Acompanhado. - Qual motel? - uma luz acendeu na mente da esposa - Como você sabe que era ele? - O Éphicus da Castelo Branco e eu sei que é seu maridinho pelo adesivo "Filho da mãe" e também pela placa, o Sérgio sabe a placa do carro de vocês e acabou de me confirmar os números pelo telefone... Mas olha, não diga que fui eu quem avisou. Geralmente é assim, quem faz fofoca pede segredo ou, nesse caso, não quer ser identificado. Minha esposa preferiu não entrar em detalhes e nem quis desdizer a amiga. - Estou indo para lá. Obrigada Cláudia! - Não vá fazer besteira, hein?! Era tarde demais para a fofoqueira se preocupar com as conseqüências. Foi elas desligarem os celulares e sairmos, minha esposa, a polícia e eu, para o tal motel. Recuperei meu carro e o bandido foi pego, literalmente com as calças arriadas e efetivamente em flagrante delito. Na hora da fofoca eu estava prestando queixa. Fazia menos de duas horas que o carro tinha sido furtado em frente ao banco onde pago minhas contas todo mês. No dia seguinte tirei o adesivo "Filho da mãe!" do vidro traseiro e substituí por um aviso aos futuros ladrões e assemelhados: "VEÍCULO RASTREADO VIA FOFOCA". E em letras miúdas: "esse dispositivo é acionado independente da vontade do condutor". Nunca mais serei roubado. Tenho certeza. |
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