CHORINHO
DE CARNAVAL
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Maurício
Cintrão
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Neste sábado de Carnaval, enquanto São Paulo balançava silicones bronzeados no sambódromo, caí no choro pela TV. Era um daqueles programas que conquistam o público homeopaticamente. Cultura neste país é um pouco assim. Colhe interessados aos poucos, feito último ônibus da madrugada. Era o espetáculo de encerramento do 23ª Curso Internacional de Verão da Escola de Música de Brasília, realizado na Sala Villa Lobos do Teatro Nacional Cláudio Santoro, em Brasília. Denominado Os Chorões, o programa foi transmitido pela TV Senado. No palco de simplicidade franciscana, Violão, Sete Cordas, Cavaquinho e Pandeiro emprestavam magia ao Carnaval. Fui parar ali por acaso, perdido no surf do controle remoto. Voltar a ouvir chorinho daquela forma inesperada foi como relembrar, de repente, as cantigas da infância. Mais do que isso, foi como sonhar com a própria infância. Quando menino, aprendi a apurar os ouvidos com os duetos da mãe Iza com tia Landa, acompanhadas pela gaita de tio João e o violão do primo Formiga. Passávamos horas nas tardes ensolaradas da Ilhabela a aprender letras de músicas que ninguém mais tocava. Pois ao mesmo tempo em que me emprestou passagem de volta aos saraus familiares, o show da TV me levou a um mundo desconhecido - como faziam os duetos das irmãs na minha infância. O chorinho bem tocado é incomparavelmente belo. Mas teve mais. Em determinado momento, um cavaleiro alado triscou a tela: Hamilton de Holanda. O chorinho clássico, daqueles que a gente ainda ouve aqui ou ali nos bares de bom gosto, deu lugar a um inspirado instrumentista que costurou frases musicais com a maestria de um mago. Cavalgando um bandolim, fez som como há muito tempo eu não ouvia. Era música tocada para os deuses, interpretada com a simplicidade do botequim e o virtuosismo embriagante dos melhores mestres licoreiros. Interpretando "La Catedral", choro guarani do paraguaio Agustín Barrios, Holanda encheu a sala de luz. Foi literalmente espetacular. Na tela da TV, no meio desse povo, os seios artificiais enfastiavam. E eu ria feito menino porque, longe da balbúrdia comercial, confirmava a existência do talento genuíno que pensava ser traição da memória ao valorizar os sons da infância. Benditos sejam os músicos celestiais que sobrevivem apesar da nossa mediocridade pagã. |
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