FANTASIAS
PARALELAS
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Marta
Rolim
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No meio do baile, perdida na multidão, uma cachorra sambava: uma dálmata. Era Cláudia, suando à cântaros, arrastando seu rabo pisoteado, vestindo uma fantasia que mais parecia um cobertor peludo e sustentando uma cabeçorra canina entre os ombros. Seus lindos olhos verdes mirando o mundo através de uma abertura, a boca do animal. Nenhum pedacinho de seu corpo à mostra. Era uma cadela, toda branquinha e salpicada de manchinhas pretas. Lindinha ela! A aposta estava selada e em pleno andamento. Ou saía daquele baile de carnaval com um namorado e ganhava uma grana do amigo Clóvis ou não se chamava mais Cláudia G. Fontes: a ótima, a garota mais desejada do bairro. Enquanto ia pulando, graciosa, ao som da música contagiante, cruzou com um índio moreno, que trajava uma sumária sunga e um cocar de penas. Foi atrás. Perguntou o nome do "cacique". Ele olhou pra cabeça canina que lhe indagava, sorriu amplamente - sorriso perfeito - e desapareceu num trenzinho da alegria, num animado cordão. Por certo aquele índio não conhecia a persistência férrea da cadelinha! Cláudia foi à caça do Tupinambá. "Meu nome é cachorrinha" – disse, a sua voz, levemente esbaforida, caprichosamente dengosa, soando no ouvido do nativo. Mais oferecida e maliciosa, impossível! Mas o que fazer? A concorrência era grande, milhares de poposudas por metro quadrado, exibindo todas aquelas abundâncias purpurinadas. Não tinha muita chance com seu corpo de pelúcia. Além do que, a fantasia estava a lhe sugar todas as energias, o calor era insuportável. Uma sauna ambulante aquele traje! Infelizmente o índio não se interessou, nem curiosidade teve. "Índio gay"! – rosnou Cláudia, vendo-o se afastar, quase latindo de tanta raiva. Mas, graças a São Francisco, o protetor dos animais (incluso as cadelinhas!), o índio não ouviu suas impropriedades. E se retirasse a cabeça de dálmata e exibisse o delicado rosto? - que a essa altura do campeonato já devia estar mais vermelho que tomate lavado! Vontade não lhe faltava, mas Clóvis havia sido claro: não poderia despir nenhuma parte da fantasia. Teria que se virar absolutamente trajada. Esse era o desafio! A percussão ensaiava um ritmo forte, encantador, e o salão de baile fervia de agitação. O embalo alucinante da bateria pondo o povo em deliciosa polvorosa. Cláudia, apesar do cansaço, dançava empolgada e, sem perder seu objetivo monetário de vista, vigiava o príncipe encantado, que tinha certeza, surgiria dali a pouco. Pois não demorou e deu de cara com um lindo árabe. Abdul Salim. Não precisou nem dizer nada que o estrangeiro já foi avançando as mãos e querendo apalpar sua pelagem, como que adivinhando que por baixo da pelúcia farta havia um corpo de fêmea bem delineado. Cláudia não gostou do atrevimento. "Quem aquele Abdul estava pensando que ela era, alguma cachorra de rua?" Tratou de fugir dele, o que não foi fácil, já que o rabo ficava preso seguidamente sob os pés dos inquietos carnavalescos, e a fantasia pesada tolhia seus movimentos rápidos. Depois de algumas manobras estratégicas no meio do povo, conseguiu escapar do árabe. Pois sim! Se era para ir tendo intimidades assim com um estranho, Cláudia preferia não ganhar aposta nenhuma! Uma coisa era começar um namoro outra era ser tratada como uma criatura qualquer. Isso não! Então o Batman apareceu. Capa preta, traje justo no corpo, máscara misteriosa. Cláudia reparou no rosto barbeado, nos olhos castanhos bonitos. Ele se aproximou e perguntou se precisava de ajuda. "Minha pata - ela disse, estendendo a mão coberta pela luva de pelúcia - está doendo"! Batman entrou na brincadeira e lhe prestou os primeiros socorros, finalizando o "atendimento" com um beijo na pata macia. Cláudia sorriu, encantada. Dançaram o resto da noite, tomaram cerveja gelada, sussurraram abobrinhas românticas um no ouvido do outro, até que ele pediu para ela despir a pesada fantasia. "Não posso!" – respondeu Cláudia, enfaticamente, explicando que só poderia tirar a fantasia para o namorado. O elegante Batman deu um passo para trás e Cláudia teve certeza de que ele iria embora, zangado, afinal eles eram um casal muito estranho: Batman & a cachorra de pelúcia. Mas, ao contrário, ele não foi embora e ainda disse tudo que ela queria ouvir. Disse que não estava brincando com ela, que procurava alguém especial para um relacionamento sério - e esse alguém era ela - e tal... É claro que a princípio ela não acreditou muito, ficou desconfiada, mas o super-herói estava decidido a amá-la de todo o coração! " Então, estamos namorando... somos namorados! " - exclamou Cláudia, explodindo de alegria por dentro. Já não se importando com a aposta. O rapaz lhe cativara, totalmente. "Sim, somos..." – reafirmou Batman, ajudando-a a retirar a cabeçona canina. Ele olhou o rosto corado de Cláudia, os cabelos desalinhados, seus olhos verdes e lhe beijou ternamente. Cláudia correspondeu, apaixonada, enquanto lhe ajudava a retirar a máscara preta de Batman. "Clóvis, é você?!!! Eu não acredito que é você Clóvis!!!" – gritou Cláudia. A raiva lhe ascendendo ao rosto e lhe deixando ainda mais vermelha. "Sim, te amo Cláudia! Agora você é a minha namorada!". Cláudia ficou possessa, deu-lhe um tapa sonoro no rosto e sumiu no meio da multidão, num choro copioso. E foi assim que Clóvis e Cláudia tiveram o namoro mais curto e intenso de suas vidas e um carnaval inesquecível. |
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