PÂNICO
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Viviane
Alberto
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Sabe aquelas crianças que ficam com olhos muito abertos, redondões, com aqueles cílios de Minnie Mouse piscando, olhando alucinadamente pra todos os lados, ao mesmo tempo em que mordem o cantinho da unha? Então, eu era assim. Curiosidade? Não, medo. De tudo e todos. Imagino que nem tenha chorado quando o médico me deu aquele tapinha que todo mundo leva ao nascer. No máximo, suspirei resignada. Minha infância foi algo aterradora... Até pra andar eu demorei - tinha medo de cair, imagino. E quando eu caía, prendia o choro. Tinha medo de apanhar. Eu ia crescendo, mas o medo não diminuía. Ia transmutando, isso sim. Fui uma das poucas crianças da pré-escola que nunca colocaram um tatuzinho de jardim na boca. Eu tinha medo de tatu! Agora, fico pensando: o que será que eu imaginava que o tatu-bolinha pudesse fazer contra mim? Se fosse só isso... mas tinha muito mais! medo de minhoca, de besouro (ai, ai, ai! longe de mim!), de aranha. Uma vez, fui parar no hospital porque uma aranha dessas pequenininhas, que comem moscas, tinha me picado. Não que eu tivesse passado mal por causa do veneno. Mas chorei tanto de pavor da aranha que perdi o fôlego. A recepcionista do pronto-socorro levou um susto. Foi a primeira vez que ela viu uma menininha azul. Roxa de medo, eu diria. Depois, teve a fase dos dinossauros. Eu não queria mais brincar no quintal, porque o T- Rex poderia aparecer a qualquer momento e me engolir viva. Esse medo passou logo. Bastou minha mãe me proibir de assistir ao Elo Perdido na televisão. Não pensem que a Paranóia Girl parou por aí! Resolveram me distrair, desviar minha atenção para coisas mais amenas. Criar um bonito universo infanto-juvenil para meu desenvolvimento. E, o que mais alegraria uma criança do que um bichinho de estimação? Pois bem, ganhei um passarinho. Um periquito verde. Na verdade, ele bem parecia um papagaio, só que em escala menor. Um mostrinho com aquele bicão curvado. Um gancho, pronto pra me fisgar. Eu nem chegava perto dele. Para meu desespero, ele não ficava preso na gaiola. Perambulava pela casa. Escalava cortinas. Eu lá, esparramada no sofá assistindo televisão e ele, a ameaça verde, me espreitando. Quanto alpiste eu coloquei na janela, pra ver se ele se animava a voar pra longe dali... Não se preocupem, não adiantou. Morreu de velhice o pobrezinho, quase uma década depois. Ainda não falei do escuro. Nem com uma aquarela eu conseguiria reproduzir carrancas tão perfeitas como as que eu construía com as sombras do meu quarto. Nada de beber água depois das 20h. Eu não poderia correr o risco de levantar pra fazer xixi no meio da noite! E também não podia falar o nome de vampiros, nem do diabo, nem do saci, senão eles apareceriam atrás da porta. Mesmo assim eu mantinha a porta sempre fechada, pra garantir que eles nunca estariam atrás... Eu cresci e os monstros ficaram pra trás. Pelo menos aqueles feitos de gosma e com dentes e chifres. Chegara a vez dos medos terrenos. Coisas simples como ladrões, a Morte, políticos e dentistas. E, um pouco mais tarde, o pavor por pagodeiros e do FMI. Hoje, como vocês podem perceber, sou uma pessoa mais equilibrada, centrada (e mentirosa). Alguns anos de análise no currículo. Mas, não pensem que o Medo sumiu da minha vida. De modo algum! Só que eu fiz um pacto com ele. Se ele me permitir andar livremente por aí, sem me preocupar com asteróides caindo, eu o deixo livre quando escrevo. E não me iludo, porque sei que falar dos meus medos, mesmo brincando, é uma maneira de não me esquecer nunca que eles existiram. E ainda existem. Só que, hoje, eu troquei a imagem do Caipora pela do mendigo. Se antes eu temia aglomerações, hoje sinto uma medo horrível da solidão. Por isso mesmo, queria o passarinho verde de volta, com o bico esquisito, voando pela sala vazia. Quebrando o silêncio da casa com o bater frenético das asas cortadas que eu temia. Tão lindas e tão assustadoras, como o medo que mora em mim. |
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