Tema 011 - PASSARINHO
BIOGRAFIA
NOSTALGIA
Beto Muniz

Nos bastidores do grupo Anjos de Prata, no egroups, existe uma turma de gente moderna, inventiva e desencanada, mas é por conta dessa criatividade toda que o povo-anjo está desenvolvendo uma certa nostalgia. Fazem incursões ao passado, buscam antigos programas de domingo, velhos reclames publicitários e trocam vários e-mails contando as descobertas. Nostalgia generalizada entre os participantes do grupo. Optei por receber apenas resumos de tudo que é enviado e discutido durante o dia, mesmo assim, quando abro minha caixa de e-mail, uma enxurrada de saudosismo invade a tela do meu monitor.

Tem gente com saudade da groselha Milani, que era uma delícia! Gente com saudade da Vila Sésamo. Do sabão em pó Viva. Charm, o fino que satisfaz! Às vezes a nostalgia prega peças e a saudade de algo que ainda está entre nós é confundida com o comercial (ou reclame do produto): "Fanta, Fanta um sorriso em você!". Cá pra mim, isso tem cara e jeito de saudade de algum sorriso que ficou perdido lá no passado.

A pérola, até agora, tem sido a saudade da gemada com farinha de milho. Quem nunca comeu gemada com farinha de milho? Acredito que todos já se deliciaram ou pelo menos fizeram careta para essa iguaria presente na culinária da vovó. Mas a pergunta boa é outra: Quem ainda come gemada com farinha de milho?

Para quem levantou a mão, aposto que o índice de colesterol está perigosamente acima da média. Quem precisou rebuscar na memória a cena da última vez em que se deliciou com esse prato, tudo bem ter esquecido! Parabéns! Belas lembranças, eu também as tenho. Para a minoria que torceu o nariz num gesto tímido de repugnância, tenho uma informação supimpa! Essa gemada era considerada um excelente afrodisíaco. Interessou, né?

Todos nós estamos tão envolvidos e acostumados com as facilidades da vida moderna - liquidificador, disk-pizza, one-way, long-neck, congelados, descartáveis, compre pronto, disk-sexo, disk-tudo e agiteantesdeusar - que não sobra tempo nem paciência para bater uma clara de ovo até ficar em ponto de neve (como dizia minha avó). Depois da clara em neve, acrescente a gema, bata mais um pouco e adicione o açúcar aos pouquinhos, continue batendo até a consistência voltar ao ponto de neve anterior, só que uma neve amarelinha. Quanto tempo dispensado nessa tarefa? Quinze minutos? Mais três minutos para acrescentar a farinha de milho, bater mais um pouquinho e pronto. As calorias ingeridas em minutos vão se acumular na linha da cintura para sempre.

Terminando as colheradas gulosas na massa crocante, podemos... Sim, é permitido uma lambida no prato. Quem não praticou essa divertida subversão à mesa? Resquício das concessões adquiridas na casa da avó. Vovó sabia deixar as coisas muito mais gostosas. Mas essa gemada é uma nostalgia emprestada, particularmente prefiro uma lembrança que me faz perceber o quanto estou distante da minha infância.

Quando comecei a estudar, freqüentava a escola no período da manhã e todos os dias, por volta das 06:30h, era acordado por um bordão no rádio: "olha a hora, olha a hora! São seis horas e trintas minutos, acorda gordo... Acorda o gordo, joga água no gordo", e uma sonoplastia bem amadora reproduzia o barulho de uma bacia d'água sendo jogada em algo. Era o programa do Zé Bettio. "Seis horas e trinta e um minutos! Vamos levantar. Vai perder a hora! Puxa o pé dele, tapa o nariz dele", e a cada minuto os bordões iam se repetindo até não me restar outra alternativa senão levantar e me livrar do locutor e animador de rádio.

No início eu achava o Zé Bettio um chato. Depois de algum tempo descobri que ele era um ótimo despertador e passei a roubar mais um minuto de sono. E o despertador não falhava, de minuto em minuto martelava a minha urgência em levantar: "Seis horas e trinta e nove minutos, levanta para trabalhar. Os passarinhos que não devem nada para ninguém já estão com os pezinhos molhados de orvalho. Levanta, preguiçoso!". Então eu levantava. Levantava porque ouvia os passarinhos gorjeando, ou trinando, numa felicidade de fazer inveja e também porque estava no limite, se perdesse mais um minuto perderia também o ônibus escolar.

Antes de sair porta afora, uniformizado, com a mochila nos ombros, e a lancheira na mão, eu ainda ouvia o início de outro programa que deixou saudade. O locutor, apesar de narrar apenas as desgraças do cotidiano policial, saudava seus ouvintes com peculiar esperança: "São exatamente sete horas e trinta minutos, Gil Gomes lhes diz (um minuto de silêncio): Bom dia!".

E os nossos dias realmente eram bons. Eu fechava a porta atrás de mim e corria para o ônibus. Era feliz e sabia, tanto que nem ligava para a impaciência do motorista buzinando meu atraso. No radinho de pilha, que ele trazia ao lado da alavanca que abria e fechava a porta da condução escolar, o Benito Di Paula profetizava: "Você vai ficar na saudade, minha senhora... Ah, eu vou-me embora".

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