Tema 010 - GENGIBA
BIOGRAFIA
A DISTRAÇÃO DOS CISNES
Viviane Alberto

Cutuquei o ombro da autoridade.

- Com licença...

O guarda se virou e abriu um daqueles sorrisos que eu dispensaria prontamente num dia comum. Mas o momento pedia paciência.

- Vocês não podem colocar essa placa aí. Não desse jeito - eu falava enquanto segurava o pedaço ordinário de latão que eles chamam de placa, que o funcionário dos Serviços Públicos tentava levar pra cima da escada.

Ele puxava a placa pra cima, eu trazia a danada pra baixo. O guarda parou de sorrir.

- Moça, a gente tem que pendurar a placa! Qual o problema?

- O problema É a placa. O senhor não leu?

- Claro. Mostra o caminho pro shopping. Pendura Mané!

- Espera, Mané! - segurei a placa de novo - Está errado.

- O caminho?

- Não, o português. A flecha aí indica o ascesso para o shopping. Está errado, é acesso, com .

- Faz diferença, é? Só a senhora percebeu. De qualquer maneira, o caminho é pra lá. Depois a Prefeitura faz outra. Pendura, Mané!

Pendurando a placa, o pobre Mané ainda justificava:

- Foi o Fravio que mandou eu pindurá a praca.

Desisti. Não ia adiantar eu ficar ali, na esquina, explicando que, daquele jeito, pra chegar ao shopping seria necessário um elevador. Ou um avião. Qualquer coisa ascendente. Que alguns metros do chão separavam o ascesso do acesso. Deixei pra lá.

Esse tipo de situação me persegue, eu sei. Lá pelo comecinho da minha adolescência, arrumei um admirador de uma cidade vizinha. Naquele tempo, 'ficar' já era a ordem do dia, então, às vezes ele aparecia lá na escola. Claro que, com treze anos, só quinze minutos de intervalo entre as aulas não deixavam muito espaço pra filosofia e grandes explanações. Dava-se uns beijos e pronto. Até que um dia, um professor faltou e nos vimos obrigados a conversar um pouco mais. O fim do romance.

- Você sabia que à partir da próxima semana os portões ficarão trancados depois do horário de entrada? - disse eu, olhando pros seus olhos que eu não me lembro a cor.

- Não tem problema, não. Se eu querer, eu pulo esse portão facinho.

Lógico que ele nunca mais quis pular o portão, depois daquela frase horrorosa. Não agüentei, dei risada. E pior, fui sincera quando ele me perguntou do que eu estava rindo. Além de sumir pra sempre, ainda espalhou pra todo mundo que eu era uma fresca. Graças a Deus! Assim, uma seleção natural foi estabelecida entre os incautos Romeus do colégio.

Que isso não soe como arrogância da minha parte. A gente aprende muita coisa, caminhado por esse mundo velho sem porteira, como se diz por aqui. E eu aprendi a diferenciar o simples relaxo gramatical (do qual sou adepta sagaz) da humildade das pessoas. Conheci pessoas que me enterneceram com sua completa ausência de plural, mas com corações mais sábios do que qualquer cartilha. E sorrisos lindos, sem um dente sequer!

Sorrisos de gengiba, daquelas pessoas que distraem os cisnes de cima e de baixo (estou mentindo, Lena?), mas que nem ligam pra dor, porque o trabalho na roça já ensinou que dor, só tem duas: rim e parto. O resto é coisinha pouca. Pior é juntar o dinheiro pra pagar as distrações que o doutor dentista fez.

Frases como essa existem aos montes e com vários sentidos. O melhor é esse que a gente vê de cara, engraçado e brejeiro, de um povo de uma terra larga, grande demais pra falar rimado, copiado, igual. Uma gente que quando não sabe, inventa. Chega perto e quase acerta (minha vizinha fez uma cirurgia de emergência, da pênis - era a pênis suporada).

Mas, a outra face da moeda é menos polida e não tão divertida. É o reflexo desse mesmo povo do país sem fim, que não recebe nem o mínimo daquilo que os homens de gravata chamam de Educação. Gente pra quem a palavra 'Cultura' não passa do nome de um canal de televisão que ninguém assiste. Quando tem televisão.

Será que tem conserto? Tem. Leva tempo e dinheiro. E começa bem cedo, torcendo o pepino como se fosse a perninha do cedilha.

E enquanto a verba não chega, a gente é obrigado a ficar ouvindo os Mano (pow!) e as Mina (pah!). Frutos de uma geração que está por dentro do movimento, mas que não tem muito a fazer, além de espalhar a consciência, capitou, ô chegado? Se não capitô, se liga aí na parada, que é Deus no céu e nóis na fita, certo?

Fiquem na paz, tá beleza? Beijo nas crianças.

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